Cidade triste entre as tristes,
Oh Baltimore!
Mal eu diria que na terra existes
Cidade dos Poetas e dos Tristes,
Com teus sinos clamando «Never-more.»

Os comboios relampagos voando,
Pela cidade de Baltimore,
Levam uns sinos que de quando em quando
Ferem os ares, o coração magoando
E os sinos clamam «Never-more, never-more».
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Baltimore, 1897.
 
António Nobre

Robert Johnson
Muddy Waters & Sonny Boy Williamson - Got My Mojo Working


Paúl do Boquilobo, Setembro de 2012
Se um poeta solicitasse ao Estado o direito de ter um burguês no seu estábulo, causaria enorme espanto, ao passo que soaria muito natural se um burguês encomendasse um poeta assado.

BAUDELAIRE


As folhas rebentam nas árvores
Como algo que quase se diz;
Os novos botões espreguiçam-se,
O verde é uma forma de mágoa.

Será que renascem, e nós
A envelhecer? Não, também morrem.
O truque que as faz parecer novas
Está escrito no grão dos anéis.

Porém os castelos inquietos
Adensam e crescem com o Maio.
Dizem: "passou, morreu o ano –
Recomecem, recomecem..."

Philip Larkin, Janelas Altas

MIGUEL MARTINS - Inédito

Um nevoeiro, um fumo que se adensa entre os olhos e o olhar, sem nada por dentro e com nada por fora, um luto branco, miséria triste, indescritível, vazia de tudo, até de si.

Os pés, pesados, parecem, todavia, não pousar no chão, do mesmo modo que a cabeça viaja por outra cidade, por outras cidades, sem nome nem nexo, num silêncio alheio ao restolhar das ruas.

Os cigarros sucedem-se, inopinados, movidos por uma mão alheia, na esperança cancerígena do anonimato, uma réstia de fé nas fendas que me haveriam de sorver o corpo decomposto, liquefeito, cru por uma vez.

Sou a minha sala sem janelas por onde entrassem ar ou luzes ou deixasse sair um pouco deste vapor de água, que já assobia ao comprimir as paredes, ao enlouquecer o bolor e os insectos.

Algo na garganta empederniu e dói e aflige, como um ovo que não eclode ou uma noz maciça, impossível aos olhos do destino e indiferente aos meus, não fosse esta sede que marulha, brutal, por entre a solidão.

A confusão anoitece-me a todas as horas, perde-me os olhos na vibração das vossas línguas, próximas ou distantes, nos vossos dedos sempre decepados, mesmo quando riscam o ar à minha frente.

Falam-me e penso Um de nós está morto ou estamos ambos, posto que nem na aparência isto se assemelha à realidade, a nenhuma geometria ou sensação que tenha conhecido, pelo que talvez seja a Índia ou um caixão.

Não me comovo nunca, nem se choro; são lágrimas de pó que irrita a pele, espilros de um buraco ignoto e sujo, que andava escondido sob uns untos e dá passagem às correntes de ar.

Ninguém se importa, ninguém diz nada que não tenha dito, ninguém amanha o pensamento à faca, ninguém morre de pé a meio de um passo, e assim deve ser para que se saiba, se, por absurdo, se quiser saber.

Caí de um muro para o precipício mais pequeno, sonhando-me numa cama que não tenho, fui arranhado por um gato e regado por um jardim, cortei ambas as mãos, carreguei uma casa em braços, suponho-me vivo.
Bobby Hackett
First Fig
Edna St. Vincent Millay 1892–1950

My candle burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my friends—
It gives a lovely light!

Napoleon

'WHAT is the world, O soldiers?
.......It is I:
I, this incessant snow,
This northern sky;
Soldiers, this solitude
Through which we go
.......Is I.'


Walter de la Mare

Virginia Astley


 

 Sintra, 1 Set 12
 
 
Paisagens
 
Paisagens aprazíveis, paisagens desoladas.
Paisagens da estrada da vida mais que da superfície da Terra.
Paisagens do tempo que lentamente flui, quase imóvel, que flui para trás.
Paisagens dos pedaços de carne, dos nervos lacerados, das saudades.
Paisagens para cobrir as chagas, o aço, o estilhaço, o mal, a época, a mobilização, a corda ao pescoço.
Paisagens para abolir os gritos.
Paisagens como se tapa a cabeça com um lençol.

Henri Michaux
(tradução de Herberto Helder)
in Doze nós numa corda, Assírio & Alvim
 
(roubado aqui)