O little mother,

I am in my own mind.

I am locked in the wrong house.


ANNE SEXTON






AZUL


FIREWORKS



But whenever I see you, I burst apart
And scatter the sky with my blazing heart.
It spits and sparkles in the stars and balls,
Buds into roses – and flares, and falls.


Scarlet buttons, and pale green disks,
Silver spirals and asterisks,
Shoot and tremble in a mist
Peppered with mauve and amethyst.


(...)

Amy Lowell


All the love
all the love inside me
is on its way
is on its way to find you
don't try to hide
from my love for you

all the love
all the love inside me
is on its way
is on its way to find you
like the tide
I'll always return to you

and all the love
all the love inside you
it's for me
in the dunes, in the tall grass
you sit and smiled
you're the only one
that could ever tease me

all the love
all the love inside you
feels my stare
getting closer to you
on the shore
sing your love
to the stars
that are guiding me back to you

all the love
all the love inside me
feels your breath
upon my back and
hears your song
that calls me home
if I could tell you
of all the things I've seen

all the love
all the love inside them
got locked away
for its own protection
for so long
became just a memory

and all the love
all the love inside them
twisted into hate
they have no choice to
pass on the fear
pass on the pain
they pour it down into the child
into the man
into the world
that learned to love
the gun that's in his hand

all the love
all the love inside me
fell like it drowned
in a dirty ocean
looked at the stars,
looked at my hands
and my fingertips
trembled at the thought of touching you



Marbholidays

( Cachimbo, Garrafa de Bass e Dado, Picasso, 1914)


O meu cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te imenso!
Tu, meu turíbulo sagrado
Com que, Sr. Abade, incenso
A Abadia do meu passado.

Fumo? E acorre-me à lembrança
Todo esse tempo que lá vai,
Quando fumava, ainda criança,
Às escondidas do meu Pai.

Vejo passar a minha vida,
Como um grande cosmorama:
Homem feito, pálida Ermida,
Infante,pela mão da ama.

Por alta noite, às horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para falar contigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d’Anto, aonde eu moro!
Ali, metido no buraco,
Fumo e, a fumar, às vezes… choro.

Chorando (penso e não digo)
Os olhos fito neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo…
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Trá-los-á o «nevoeiro»
Os três, os íntimos, Aqueles,
Estão na Morte, no estrangeiro…
Dos mais não sei, perdi-me deles.

Morreram uns. Por isso peço
A Deus, se ele está de maré:
E, às noites, quando eu adormeço,
Fantasmas, vêm, pé ante pé…

Tristes, nostálgicos da cova,
Entram. Sorrio-lhes e falo.
Deixam-me estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o galo.

Outros, por esses cinco Oceanos,
Por esse Mundo erram, talvez:
Não me escreveis, há tantos anos!
Que será feito de Vocês?

Hoje, delícias do abandono!
Vivo na Paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outono,
O Mar e tu, ó meus Cachimbo!

Ah! quando for do meu enterro,
Quando partir gelado, enfim,
Nalgum caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.

Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfaleça,
Caso os meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueças.

Coloca sobre a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, solicita Enfermeira,
Com Gold-Fly, para eu fumar…

Como passar a noite, Amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim, levando-te comigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto…

António Nobre




" Tinha suspirado,
tinha beijado o papel devotamente!
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades,
e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas,
como um corpo ressequido que se estira num banho tépido;
sentia um acréscimo de estima por si mesma,
e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante,
onde cada hora tinha o seu encanto diferente,
cada passo condizia a um êxtase,
e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!"

Eça de Queirós, O Primo Basílio





Caetano Veloso & Lila Downs
Burn it Blue

Cerimónia de Vassalagem

Quero contar isto:
A aldeia está destruída.
Um vassalo dedicadíssimo um dia faz sobreuso dos seus poderes - usa recursos que não tem ao seu alcance - os gregos chamar-lhe-iam a Hybris, o mais próximo de uma ousadia fadada ao terror.
Esse vassalo percebe tardiamente como ajudou a destruir a aldeia, os bens, as casas, as mulheres, as crianças.
Recolhe-se. Fidelidade e trabalho não reconstroem a aldeia.
Nas cerimónias de vassalagem, ajoelhava-se, recolocava as suas mãos entre as do senhor - imissio in manus - mas não chegava.
Jurava-lhe lealdade e era tarde. Fidelidade e era impossível.
As terras, as pontes, os equipamentos agrícolas...o uso da fonte de água - parado.
Fecha-se. Trabalha em silêncio. Pede perdão, no nojo diário, para a aldeia, para si...cumpre o seu trabalho sem esperar recompensa. Desdobra os dias pensando na aldeia destruída e em como reerguê-la.
Um dia o suserano vem - não cobra o apoio militar, não pede ajuda, não quer
hospedagem e traz oferendas! Despojado, esquecendo hierarquias de Mal e Bem,
vem com iguarias quentes e aceitando unir-se ao vassalo para reconstruir o feudo - entenda-se: lugar cimeiro e intocável.
Todos os dias atravessa a ponte traz bens, alimentos e duas mãos onde o vassalo pode secretamente prestar a sua vassalagem em silêncio e união. Uma vassalagem secreta, de reconstrução. Que lhe permita a vida de novo. A entrada na aldeia.
Como se o escravo estivesse na sua cela, nuns dias sem principio nem fim, e fosse visitado, porque escolhido, pelo seu amo - que lhe traz vida e calor, comida e calor, apaziguamento e calor - como que visitado por algo maior que inverte as leis e as permite lhanas e plenas no coração dos homens -
sem tempo para trás e uma luz finíssima para a frente.
O escravo é visitado pelo senhor, nutrido, cuidado, relembrado do mal que fez e no entanto bem tratado...sem nenhum grilhão - mãos, pés, boca e coração livres - depois de cada visita, de cada cerimónia de reconstrução.
O escravo vai recuperando, curando as maleitas e os achaques desvitaminados desta clausura - o amo parte e o escravo revê o mal que fez pelo bem que recebe. A cara é espancada docemente, acariciada pelo ensinamento da mão enluvada do amo.
O escravo recupera. Agradece. Meu deus, como agradece!
O escravo é uma escrava e a aldeia talvez se possa reconstruir.

Sei que isto já aconteceu. Though I know of it's rarity.


Latifúndio e Mão de Obra 


O mesmo escravo ouviu falar de latifúndios - terra livre e abundante - um pouco mais ao norte, um pouco mais ao centro do seu corpo em défice.
Logo se preparou - a promessa de um latifúndio, que se construísse devagarinho...bem dividido, organizado, como num mapa medievo, o cavalo à direita da casa, com o alforge carregado para a intempérie, a carroça com lenha ao lado do celeiro, o caminho alinhavado por pedras e pequenos arbustos silenciosos...um latifúndio, sem promessa de mundos e fundos - um latifúndio amplo e verdejante, justificação para o locus amenus...com que o escravo sonhara.
Trabalhos forçados nos campos, não tinha conhecimento, por isso lhe parecia isso de uma extrema inexactidão.
Tinha o direito de arrendar e recebia em troca protecção (e tantas tantas outras coisas). Não percebia como podiam ser trabalhos forçados...eram coisas da silvicultura, da agricultura, do transporte por terra ou por rio, obrigações com o artesanato, a manufactura...coisas que o obrigavam a ver o seu amo de novo e continuadamente e por ser prazeroso, esquecer quando o seu dia começara ou acabara, esquecer as dores nas espaldas ou as dificuldades no respirar. Não conhecia a obrigação.

A este escravo permitiram-lhe sonhar.
A este escravo permitiram-lhe usar as duas mãos e o coração e o fígado e as vísceras todas para trabalhar - estava cheio de um amor histórico vindo lá do século V, onde só havia riachos e relva onde queria repousar.
A este escravo foi dada a liberdade de correr no tempo, sempre, cabeça e coração no seu amo, no trilho, amealhando coisinhas que mais tarde podiam figurar no mesmo mapa imaginado lá atrás.
A este escravo foi dado o direito de não ser escravo, por um amor maior, uma vontade maior, umas mãos maiores que o libertaram.

Este escravo tem o latifúndio no peito. Ao pé da boca... um espaço amplo e grandiosíssimo onde todos estes trabalhos são obra da mão do seu amo, que arrenda e protege, que vigia e cuida, que defende... e como Amo, Ama.

Sandra Filipe

                                                                              





Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente.

Clarice Lispector


David Lynch
Alquimia do verbo


A mim. A história de uma de minhas loucuras. Há muito tempo eu me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e achava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna.

Eu amava as pinturas idiotas, enfeites de portas, cenários, telas de saltimbancos, bandeiras, gravuras populares; a literatura fora de moda, o latim de igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossas bisavós, contos de fadas, pequenos livros da infância, velhas óperas, refrões tolos, ritmos ingênuos.

Eu sonhava cruzadas, viagens de descobrimentos sem relatos, repúblicas sem história, guerras de religião abafadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: eu acreditava em todos os encantos.

Inventei a cor das vogais! - A preto, E branco, I vermelho, O azul, U verde. - Regulei a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, me lisonjeava de inventar um verbo poético acessível, cedo ou tarde, a todos os sentidos. Eu reservava a tradução.

Foi primeiro um estudo. Escrevia silêncios, noites, anotava o indizível. Fixava vertigens.

Rimbaud, Delírios

message in a bottle



O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.

Luís de Camões