Babe

It seems so long

Since you've been gone

And

I Just got to say

That it grows darker with the day

Full of a longing for something

I do not know

Nick Cave, Darker with the day


Terra, mortos, uma poeira de mortos que se ergue em tempestades, e esta mão que me prende e sustenta e que tanta força tem...
Como em ti, há em mim várias camadas de mortos não sei até que profundidade. Às vezes convoco-os, outras são eles, com a voz tão sumida que mal a distingo, que desatam a falar. Preciso da noite eterna: só num silêncio mais profundo ainda, conto ouvi-los a todos.

Raul Brandão, in 'Húmus'
...

this leaving feeling

...
THE HEART


WANTS TO EXPLODE

WANTS TO EXPLODE FAR AWAY



WHERE NOBODY KNOWS

3 meses depois


há sobretudo silêncio.
há o silêncio que deve instalar-se antes de tudo.

henri michaux

Como nas portas dos cafés:

ESTAMOS FECHADOS
ATÉ AO DIA DE REABRIRMOS
INCLUSIVE


E as horas de muitos dias eram assim.

Como se alguém moldasse a minha imagem algures

para maltratá-la lentamente com agulhas.

Senti cada aguilhão do seu jogo

e era como se sobre mim caísse uma chuva

na qual todas as coisas se transformassem.

Rainer Maria Rilke


Olha:

sou

tudo

o que

começa,

mas tu

és

a

árvore.

Rainer Maria Rilke, As Palavras do Anjo


Apareço para lançar uma ideia que alicerce
O coração - um ritmo mais tarde.
Eu que nunca
Aprenderei por onde
É que o muro - o mundo - começa a dividir

Daniel Faria

As mãos

No extremo do seu braço, onde era de supor que não houvesse senão uma, ele na realidade tinha, uma envolvendo a outra, duas mãos.

Ambas podiam, consoante a ocasião, chamar a si qualquer destas funções - acariciar ou agredir - embora sempre de maneiras diferentes.

Apesar de apenas uma, provavelmente a que mais próxima estava do meu espírito, fazer o mar vir à superfície daquilo em que tocava, era impossível distingui-las, sobretudo pelo facto de elas, sem que alguma vez tenhamos descoberto de que modo, permutarem entre si.
Nunca sabíamos qual de ambas se encontrava grávida da outra.

Luis Miguel Nava

Céus e Infernos



Agora estou nu e toda a mentira me é impossível; agora estou nu e todas as palavras são inúteis;

agora estou nu diante da imensidade e não posso ao mesmo tempo com o céu e o inferno.

Este momento trágico, esta pausa, este horror em que cada um se vê na sua essência,

em que cada ser se encontra sós a sós com a sua própria alma, reduzido sem artifícios à sua

própria alma, só tem outro a que se compare, aquele em que cada um vê a alma dos

outros.Porque, por melhor ou pior que tenhamos julgado os outros, vimo-los sempre através de

nós mesmos.

in HÚMUS, RAUL BRANDÃO


Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles,
ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade.
As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído.
E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso.
E não devemos malquerer às mitologias assim,
porque são das pessoas

e, neste assunto de pessoas,

amá-las é que é bom.

herberto helder


na pele Brille para ler

Marisa Monte

Sobreinterpretação



o tempo dos montes furiosos e da amizade fantástica.

rené char

Há rios
que são navegáveis e navegam.
É desses que eu gosto.

Jorge Sousa Braga


Faz uma constelação de estrelas

que brilhem no vazio cósmico

Faz outra e mais outra

não pares

Olha o teu irmão

Dá-lhe a mão

aquela que tem as estrelas

e guarda para ti a mão obscura

Essa come-a com angústia.

Henrique Risques Pereira



Acaso caberiam nestes dias essas mágicas mãos vizinhas das estrelas ?

Ruy Belo



a não sei quê para não sei quem

a um não sei quem para um não sei quê

sempre em direcção a mais frio ?

henri michaux



o medo é uma mulher que caminha descalça sobre a neve, rezando, pedindo a deus de joelhos que NÃO HAJA SENTIDO

leopoldo maria panero

Escuta amor

talvez num dia
em que de mim já nada exista
te lembres de dois braços
que te abraçaram convulsivamente
nessa altura
deixa que os lábios te sangrem
deixa que o sangue te corra pelo peito


e as mãos
essas
abandona-as...

Mário Henrique Leiria

da ausência

Não julgues as coisas ausentes como presentes; mas entre as coisas presentes pondera as de mais preço e imagina com quanto ardor as buscarias se não as tivesses à mão. Mas ao mesmo tempo toma cuidado, não seja caso que ao deliciares-te assim nas coisas presentes te habitues a sobrestimá-las; procedendo assim, se um dia as viesses a perder, davas em louco rematado.

Marco Aurélio
'Pensamentos'

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

josé mário branco

- temos um som assustador preso nas mãos

al berto

as mãos redescobriram o silêncio
praticam essa arte muito antiga de na imobilidade
tudo desejarem

al berto

uma a uma, as coisas do mundo, as noites desarrumadas,
as mãos que as arrumam
entre chama e sono

herberto helder
E crepitam-me as pontas dos dedos ao supor-te no escuro.
Queimavas-me junto às unhas.
E a queimadura subia por antebraço, braço,
ao coração sacudido. Eu - perfumado
e queimado por dentro: um laço feito de odor
transposto, ar fosforescendo, uma árvore
banhada
nocturnamente. Tudo em mim trazido
súbito
para o meio.
...

Herberto Helder

esta é a única vida e contém inimaginável beleza
e dor

antónio cícero

21 de Março



as árvores estão a começar


o homem abre a porta


o homem olha. o homem não olha. o homem sabe que olha. o homem não sabe se vê. o homem quer saber se vê. o homem não quer saber se sabe. o homem quer saber se sabe ver. o homem interroga o seu querer saber se alguma coisa se vê. o homem não responde às interrogações sobre o seu querer saber se alguma coisa se vê. o homem cria o silêncio para não responder às suas interrogações sobre o seu desejo ou a sua recusa de saber se alguma coisa é ou não possível de se ver daqui.

Corpos Radiantes, E. M. de Melo e Castro


o prazer, abandonarmo-nos a esta bem aventurada inconsciência, consentirmos em
ser subtilmente mais fracos, mais pesados, mais leves e mais confusos
que nós mesmos
marguerite yourcenar



não se esquece as coisas que o coração compõe com igualdade diária

antónio gancho



quanto mais estranhos,

mais íntimos.

teixeira de pascoaes

Ingenuidade


Você habita o próprio centro
de um coração que já foi meu.
Por dentro torço pra que dentro
em pouco lá só more eu.
Livre de todos os negócios
e vícios que advêm de amar
lá seja o centro de alguns ócios
que escolherei por cultivar.
E pra que os sócios vis do amor,
rancor, dor, ódio, solidão,
não mais consumam meu vigor,
amado e amor banir-se-ão
do centro rumo a um logrador
subúrbio desse coração.

António Cícero

11h23

Todas as cores




Henrique
03.03.2006
3.5kg

AQUI
É A MURALHA IMPALPÁVEL
É A TERRA DE NINGUÉM
ÍNDICE ACTUAL EQUIDISTANTE E NEUTRO
- esse é o meu domínio e coração

Manuel de Castro
COMO TE EXTINGUES

em mim:

ainda no último


e gasto

nó de ar

estás lá

com uma faísca de vida.

Paul Celan

Recontar a vida



Agora o braço não é mais o braço
erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha, um traço,
um rastro espelhado e brilhante.
E todas as figuras são assim:
desenhos de luz,
agrupamentos de pontos de partículas,
um quadro de impulsos,
um processamento de sinais.
E assim – dizem – recontam a vida.

Agora retiram de mim a cobertura da carne,
escorrem todo o sangue,
afinam os ossos em fios luminosos e aí estou,
pelo salão, pelas casas, pelas cidades,
parecida comigo.

Um rascunho.
Um forma nebulosa, feita de luz e sombra.
Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela.

Elis Regina

if strangers meet

if strangers meet
life begins-
not poor not rich
(only aware)
kind neither
nor cruel
(only complete)
i not not you
not possible;
only truthful
-truthfully,once
if strangers(who
deep our most are
selves)touch:
forever
(and so to dark)

e.e. cummings

SINAIS VITAIS

aos Amigos ausentes


HAY UN JARDÍN.
alejandra pizarnik

Cada vez mais

ÉS UMA FACA CRAVADA NA MINHA VIDA SECRETA

herberto helder

and again and againandagainandagain


Tu dirás que estou a repetir
Algo que disse antes. Di-lo-ei de novo.
Di-lo-ei de novo ? Para chegares aí,
Para chegares onde estás, para saíres de onde não estás,
Deves seguir por um caminho onde não há êxtase.
Para chegares ao que não sabes
Deves seguir por um caminho que é o da ignorância.
Para possuires o que não possuis
Deves seguir pelo caminho da despossessão.
Para chegares ao que não és
Deves seguir pelo caminho onde não estás.

E o que não sabes é a única coisa que sabes
E o que possuis é o que não possuis
E onde estás é onde não estás.

T. S. Elliot, in Quatro Quartetos