INVICTUS




Out of the night that covers me,
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

 
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

 
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.

 
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

 
William Ernest Henley
(1849-1903)


mark tobey - untitled 500

 


VENERAÇÃO

Venerei-te quase sempre,
sem querer, sem saber, apenas como quem
cumpre um destino
perante o sangue e as rosas.
Foste, talvez,
essa flor inquieta, tempestuosa, inimiga da
sombra e da calma,
foste uma espada de fogo, ardendo sobre
os altares, onde se sentou o anjo caído.

Mil sóis passaram, mil amantes, mil jogos
inocentes,
e agora os teus ombros não podem suportar o
peso do mundo.
Desaparecerás como as árvores, as flores e as
casas.
Não sei para onde vais.
Procuro-te na décima porta, junto aos
umbrais,
junto às noites acesas do outro lado do céu.


JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
Agora e na hora da nossa morte
Assírio & Alvim, 1998



digo de mim o que se incendeia
marta chaves




AMOR




A minha maneira de amar-te é simples:
aperto-te a mim
como se tivesse um pouco de justiça no coração
e ta pudesse dar com o corpo


Quando te revolvo os cabelos
algo de lindo nasce das minhas mãos


E não sei quase mais nada. Aspiro apenas
a estar contigo em paz e a estar em paz
com um dever desconhecido
que às vezes me pesa também no coração


Antonio Gamoneda
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

A Ambição Superada


Certo dia uma rica senhora viu, num antiquário, uma cadeira que era uma beleza. Negra, feita de mogno e cedro, custava uma fortuna. Era, porém, tão bela, que a mulher não titubeou - entrou, pagou, levou para casa.
A cadeira era tão bonita que os outros móveis, antes tão lindos, começaram a parecer insuportáveis à simpática senhora. (Era simpática).
Ela então resolveu vender todos os móveis e comprar outros que pudessem se equiparar à maravilhosa cadeira. E vendeu-os e comprou outros.
Mas, então a casa que antes parecia tão bonita, ficou tão bem mobilada que se estabeleceu uma desarmonia flagrante entre casa e móveis. E a senhora começou a achar a casa horrível.
E vendeu a casa e comprou uma outra maravilhosa.
Mas dentro daquela casa magnífica, mobilada de maneira esplendorosa, a mulher começou, pouco a pouco, a achar seu marido mesquinho. E trocou de marido.
Mas mesmo assim não conseguia ser feliz. Pois naquela casa magnífica, com aqueles móveis admiráveis e aquele marido fabuloso, todo mundo começou a achá-la extremamente vulgar.


Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"



Asfixiado, foge e não foge, oscila e uiva, afasta e aproxima fronteiras, folheia-as e dobra-as umas sobre as outras, e assim as frases e o país rolam, alteram-se as suas várias camadas, revolucionam-se os fósseis, as estrelas mortas, as raízes, e entretanto o parênteses vai pulsando, dilatando-se e diminuindo, acendendo-se como um coração, desejo que se adia e adia
o leitor.

Manuel Gusmão, O leitor escreve para que seja possível




132

Um poeta disse: A absurdidade cresce como total flor.
Outro: O dia sobre o vazio de tudo.
Outro: De noite de noite À noite me uni sem limites À noite!
Outro: Jogo perigoso é o homem...
Quem não é o maior campeão das próprias ideias?
Quando o sofrimento é excessivo o indivíduo renuncia à luta e
combate a angústia pela magia.

Ana Hatherly, 351 tisanas

REPITO


Que aconteceu? A pedra saiu do monte.
Quem despertou? Tu e eu.
Linguagem, linguagem. Co-estrela. Terra-próxima.
Mais pobre. Aberta. Acolhedora.

Para onde se ia? Para o som que não se perdeu.
Ia-se com a pedra, com nós dois.
Coração e coração. Que achámos pesado de mais.
Tornar-se mais pesado. Ser mais leve.


Paul Celan
trad. Yvette Centeno
É talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quando menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas.


Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

Lösch mir die Augen aus

Lösch mir die Augen aus: ich kann dich sehn,
wirf mir die Ohren zu: ich kann dich hören,
und ohne Füße kann ich zu dir gehn,
und ohne Mund noch kann ich dich beschwören.

Brich mir die Arme ab, ich fasse dich
mit meinem Herzen wie mit einer Hand,
halt mir das Herz zu, und mein Hirn wird schlagen,
und wirfst du in mein Hirn den Brand,
so werd ich dich auf meinem Blute tragen.

Rainer Maria Rilke,
Das Stundenbuch, in Das Buch von der Pilgerschaft


Extinguish my eyes, I'll go on seeing you.
Seal my ears, I'll go on hearing you.
And without feet I can make my way to you,
without a mouth I can swear your name.

Break off my arms, I'll take hold of you
with my heart as with a hand.
Stop my heart, and my brain will start to beat.
And if you consume my brain with fire,
I'll feel you burn in every drop of my blood.


Rainer Maria Rilke, Book of Hours: Love Poems to God




Two Love Songs (Rilke)
In 1949, Bernstein set a pair of texts by the poet Rainer Maria Rilke, the first of which,
Extinguish My Eyes, was introduced that same year by mezzo-soprano Jennie Tourel at
Town Hall in New York. Rilke’s text begins, “Extinguish my eyes, I’ll go on seeing
you/Seal my ears, I’ll go on hearing you.” It wasn’t until 1963 that she premiered the
second song, When My Soul Touches Yours, which opens with the tender lines, “When my
soul touches yours a great chord sings/How can I tune it then to other things?”
Subsequently, Sid Ramin, who helped to orchestrate many of Bernstein’s most famous
works, created this instrumental arrangement.


Têm sentido de humor os que têm sentido prático. Quem descuida a vida, embevecido numa ingénua contemplação (e todas as contemplações são ingénuas), não vê as coisas com desprendimento, dotadas de livre, complexo e contrastante movimento, que forma a essência da sua comicidade. O típico da contemplação é, pelo contrário, determo-nos no sentimento difuso e vivaz que surge em nós ao contacto com as coisas. É aqui que reside a desculpa dos contemplativos: vivem em contacto com as coisas e, necessariamente, não lhes sentem as singularidades e características; sentem-nas, pura e simplesmente.

Os práticos - paradoxo - vivem distantes das coisas, não as sentem, mas compreendem o mecanismo que as faz funcionar. E só ri de uma coisa quem está distante dela. Aqui está, implícita, uma tragédia: habituamo-nos a uma coisa afastando-nos dela, quer dizer, perdendo o interesse. Daqui, a corrida afanosa.
Naturalmente, de um modo geral, ninguém é contemplativo ou prático de forma total, mas, como nem tudo pode ser vivido, resta sempre, mesmo aos mais experimentados, o sentimento de qualquer coisa.

Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"

pela calma...




DAMOS VERTIGENS. SE ENTRAMOS UNS NOS OUTROS, DAMOS VERTIGENS.

VASCO GATO





a música mirabilíssima que ninguém escuta

herberto helder



Der Schrei einer Bume
langt nach einem Dasein.

O grito de uma flor
anseia por uma existência.

Paul Celan