Húmus




Terra, mortos, uma poeira de mortos que se ergue em tempestades, e esta mão que me prende e sustenta e que tanta força tem...Como em ti, há em mim várias camadas de mortos não sei até que profundidade. Às vezes convoco-os, outras são eles, com a voz tão sumida que mal a distingo, que desatam a falar. Preciso da noite eterna: só num silêncio mais profundo ainda, conto ouvi-los a todos.


Raul Brandão, in 'Húmus'


(à cause de...)


(...) enquanto que as figuras veneradas e queridas que rodearam a minha infância desaparecem pouco a pouco, e tornam a casa maior e mais vazia
(...) e agora ia morrer sozinho, não tendo sequer sabido construir uma família. Nos seus olhos - que eram os meus, apagados pelos anos -, - nada tinha guardado de todo esse sol que devia ter visto durante a vida; tinha uma expressão terna, desolada e maldita.

Pierre Loti (tradução Miguel Martins)



Tem sido um trabalho doloroso, uma luta. Mas - creio - estou finalmente próximo de não ter coração. Falta-me só largar o último pedaço. O problema é que isso não basta. A alma sobrevive-lhe. É outra coisa, embora tenham partes em comum. Largá-la será o trabalho seguinte, mas já estou muito cansado e não sei se ainda valerá a pena empreender o esforço.
(...)
Em vez de tudo isso, um seguro de saúde e um charuto quinzenal com um sorriso seco e vazio, para apimentar.

Vêdes? É árduo o caminho que tenho pela frente. E, primeiro, ainda me falta ver-me livre do derradeiro pedacinho de coração. Que é onde moras tu, para quem escrevo, um par de mortos, uma fotografia da infância quase queimada por sóis artificiais, e a querida imagem do mar, a que perdi o direito num dia sem nome ou num cigarro de milhares.


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