Significação existencial do amor II



O amor de S. Francisco, singular penetração do coração como dizia o seu contemporâneo Tomás de Celano, é a mais perfeita forma de amor humano e divino porque, mercê dum dom de caridade infinita, ultrapassa em relação a todas as coisas as nossas distinções do amável e do detestável tal como cada um é capaz de fazer em favor dos seres de excepção que ama. S. Francisco faz para o sofrimento, a dor e a morte, o que nós não fazemos para a própria mãe: aceita-os como irmãos e irmãs, misteriosos instrumentos de Deus no mistério infinitamente amável da sua divindade.
Mas esta aceitação não é aceitação passiva de quem aceitando tudo aceita nada como no budismo para quem as aparências são ilusórias. Esta aceitação é a aceitação heróica da diferença, da eterna irredutível querida por Deus da qual estaremos ausentes.
É a aceitação mesmo do nada do mundo por ser o Nada que Deus quis fosse matéria deste mundo. Ver o Nada e amá-lo, eis S. Francisco pois essa Nada é a imagem sensível, a única que nos é acessível do lado mortal de Deus.


(trancrição de manuscrito a tinta azul numa única folha de papel branco, sem rasuras ou emendas)
Projecto "Inventário e Catalogação do Acervo de Eduardo Lourenço", CNC, Maio 2008

Eduardo Lourenço, in " Inéditos de uma arca labiríntica", LER, Outubro 2009



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