"I have the choice of being constantly active and happy or introspectively passive and sad. Or I can go mad by ricocheting in between."

Sylvia Plath
Apesar das ruínas e da morte

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia (1944)









Sonho impossível

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite provável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã este chão que eu deixei
Por meu leito e perdão
Por saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão




A Vida é um Hábito

 O hábito é o balastro que prende o cão ao seu vómito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos [...] «Hábito» é pois o termo genérico para os inúmeros contratos celebrados entre os inúmeros sujeitos que constituem o indivíduo e os seus inúmeros objectos correlativos. Os períodos de transição que separam as consecutivas adaptações [...] representam as zonas perigosas na vida do indivíduo, perigosas, penosas, misteriosas e férteis, em que, por um momento, o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser.


Samuel Beckett,
in 'À Espera de Godot'

1969



Ground control to major Tom
Ground control to major Tom
Take your protein pills and put your helmet on
(Ten) Ground control (Nine) to major Tom (Eight)
(Seven, six) Commencing countdown (Five), engines on (Four)
(Three, two) Check ignition (One) and may gods (Blastoff) love be with you

This is ground control to major Tom, you've really made the grade
And the papers want to know whose shirts you wear
Now it's time to leave the capsule if you dare

This is major Tom to ground control, I'm stepping through the door
And I'm floating in a most peculiar way
And the stars look very different today
Here am I floatin' 'round my tin can far above the world
Planet Earth is blue and there's nothing I can do

Though I'm past one hundred thousand miles, I'm feeling very still
And I think my spaceship knows which way to go
Tell my wife I love her very much, she knows
Ground control to major Tom, your circuits dead, there's something wrong
Can you hear me, major Tom?
Can you hear me, major Tom?
Can you hear me, major Tom?
Can you...
Here am I sitting in my tin can far above the Moon
Planet Earth is blue and there's nothing I can do

chase simplicity II




A Sorta Fairytale
Scarlet's Walk, 2002
Tori Amos + Adrien Brody

CALOR



Dentro
Chico César

dentro dos seus grandes olhos lagos
dentro dos seus grandes lábios logo
dentro do seu grande peito fogo
dentro de sua grande alma anjo
dentro de seu corpo gente
dentro de mim

dentro de sua boca riso
dentro da cabeça sonho
dentro de seu braço arco
dentro de sua pele febre
dentro de sua vida laço
dentro de mim

dentro em breve
dentro em breve
dentro de mim (2x)

dentro do cabelo pente
dentro do tecido saia
dentro do desejo beijo
dentro do quarto crescente
dentro do seu centro entro
dentro de mim

dentro do seu filho parto
dentro da família ente
dentro do umbigo rente
dentro da pessoa sempre
dentro da sua semente
dentro de mim

dentro em breve
dentro em breve
dentro de mim (2x)

dentro do possível hoje
dentro do limite urgente
dentro de onde você mora
dentro do calor da hora
dentro de você agora
dentro de mim

dentro em breve
dentro em breve
dentro de mim (2x)

dentro dos seus grandes olhos lagos
dentro dos seus grandes lábios logo
dentro do seu grande peito fogo
dentro de sua grande alma anjo
dentro de seu corpo gente
dentro de mim

dentro do possível hoje
dentro do limite urgente
dentro de onde você mora
dentro do calor da hora
dentro de você agora
dentro de mim

dentro em breve
dentro em breve
dentro de mim (4x)

dentro em breve
dentro em breve
você precisa


O amor para ele fora carne e espírito, tão carne que nenhum espírito podia estar presente, e tão espírito que nem toda a carne do mundo, usada dia e noite, chegava para contentá-lo. Até o fastio, que às vezes o afastava longamente dos contactos carnais, era uma ardência insatisfeita, que se continha, suspensa e ameaçadora, à espera de esquecer que a carne era sempre igual, e os gestos de amor tão poucos que os sabia já de cor. Mas depois, ao fazê-los, era sempre, como na primeira vez, uma surpresa, uma ignorância curiosa, um receio tímido, uma insegurança doce, um pasmo juvenil, uma alegria nova, um encantamento frenético; era como na primeira iniciação, mas sem a perplexidade e a decepção de o amor não ser mais do que isso, quando a virtude do amor não está em ser mais do que é, mas em ser o prazer de não ser isso mesmo.

Jorge de Sena





MEU FADO É O DE NÃO SABER  QUASE NADA

SOBRE O NADA EU TENHO PROFUNDIDADES


manoel de barros




Finalement, finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

Jacques Brel


CORAÇÃO COM CORAÇÃO.
SE OS CONSIDERARES PESADOS, MAIS PESADOS SE TORNAM.
QUE SEJAM LIGEIROS.

paul celan


HÁ SEMPRE UMA CURVA NO CAMINHO QUE NOS ESCONDE A PESSOA AMADA
E O CENÁRIO MUDA

Teixeira de Pascoaes




Eines ist, die Geliebte zu singen


Como cantar o amado?

Quem ama
fica cheio de não-saber
não pára de procurar

Entrevendo o fulgor do êxtase
percorre o rio do sangue
conhece os horrores da guerra íntima
toda vermelha e crua
fértil em rupturas
incessante nos ataques

Não
nenhum rosto materno sobre o nosso debruçado
nos consolaria
se houvesse esse rosto
essa ternura impossível de entender

Nada nos pode consolar
do excessivo peso do amor
que oprime como a noite
cheia de não-saber
como tudo o que é divino
e inventado

De facto
 não amamos como as flores
totalmente simples na sua entrega
Quando amamos
deixamos de ser o que somos
trnsfigurados pelo desejo
que mata
destrói
violenta tudo

E perscrutando a noite
que a si própria se escava e aplaina
amando
fitamos a intermitência das estrelas
deslumbrados por um brilho extinto
que fere com lentidão sideral
o ermo íntimo do nosso coração

Inatingível sempre
e como tal desejado
o verdadeiro amado

Ana Hatherly , Rilkeana




O Bäume Lebens

Ó árvores da vida
de que pendemos
entre ser e não sermos

Do ciclo das vossas estações
desse corpo a corpo
dependemos
entre áspide e flor
por vosso favor

De vossas estranhas finezas
de vossas estranhas façanhas
descendemos
aladas serpentes
de vosso jogo angélico
que nos ultrapassa

Presentes e passadas penas
prenunciam
o abismo
os âmagos de vossas paixões

Assistis à nossa batalha
como quem espera fera

assistis à nossa derrota
porque queremos o que permanece
e a nossa passagem
entre universo e brinquedo
o estreito da nossa agonia
talvez vos divirta

E da nossa infância
para sempre separados
por ordem vossa nos tornamos
nossos próprios pais
  nossos próprios filhos
da nossa própria vida
aos poucos deslizando
e por fim
caindo


Ana Hatherly ,Rilkeana




desculpa
o que te queria dizer talvez não fosse isto
a solidão turva-se-me de lágrimas
e nas pálpebras tremem visões do meu delírio
olho as fotografias de antigos desertos
corpos coerentes que fomos
bocas de papel amarelecido
onde a sede nunca encontrou a sua água
e às vezes ainda tenho sede de ti
mas na vertigem da viagem o coração galopa desordenadamente


al berto
Incendio


Todo poema vive en los labios donde fue
vivida la dulzura de muchacha besada
Mas es lava y no miel mi escritura futura
y nunca será fuego de bengala

Los árboles bellísimos sin par
y la canción del viento inigualabl
Habla el cielo con su silencio ocioso
De noche brillan amantes de diamante

Tu poema otra vez vico o antorcha
Las palabras de amor sólo son humo
Pero el amor de las palabras arde siempre
Sé lengua o llama del incendio puro


Carlos Edmundo de Ory
1975
dois dedos de conversa

Fernando Aguiar, 1978
Comprei um vestido novo, um vestido de interior, próprio de casa, longo, para uma hora de uma certa tarde, para algumas noites no meu apartamento, sei para quem, agrada-me porque é comprido e leve, e alem disso explica que vou ficar muito tempo em casa, a partir de hoje. Para o provar, não queria que Ivan estivesse aqui, Malina muito menos; por ele não estar, posso olhar-me à vontade no espelho, dou voltas e mais voltas diante do enorme espelho do corredor, a mil léguas, a uma distância abissal, astronómica dos homens. Por uma hora, posso viver fora do tempo e do espaço, verdadeiramente contente, transportada a uma lenda onde o perfume de um sabonete, o ardor duma água-de-colónia, o frufru de roupa interior, o gesto da mão mergulhando borlas na caixa do pó, ou retocando meditativamente uma sobrancelha, são a única realidade. É uma obra que se vai realizando, uma mulher que se cria para um vestido. No mais profundo segredo se esboça de novo o que é uma mulher, pensa-se no começo do mundo, num halo que não dá luz para ninguém. É preciso escovar vinte vezes os cabelos, untarem-se os pés de unhas envernizadas, é preciso depilar pernas e axilas, abrir e fechar o chuveiro, uma nuvem de pó inunda a casa de banho, olha-se no espelho, ainda é domingo, consulta-se o espelho, na parede, talvez já seja domingo.



Ingeborg Bachmann


The Letter

 
Little cramped words scrawling all over
the paper
Like draggled fly's legs,
What can you tell of the flaring moon
Through the oak leaves?
Or of my uncertain window and the
bare floor


Spattered with moonlight?
Your silly quirks and twists have nothing
in them
Of blossoming hawthorns,
And this paper is dull, crisp, smooth,
virgin of loveliness
Beneath my hand.


I am tired, Beloved, of chafing my heart
against
The want of you;
Of squeezing it into little inkdrops,
And posting it.
And I scald alone, here, under the fire
Of the great moon.


Amy Lowell




Glenn Gould / Goldberg Variations 15-19
J. W. Bach



Há algum que tenha a chave da porta do ser,
que não tem porta,
E me possa abrir com razões a inteligência do mundo?

Álvaro de Campos