"Se um leque não fosse um inseparável companheiro de uma senhora, quasi um confidente, testemunha dos pensamentos de cada instante; se juntar a recordação de um ente importuno a esse confidente não fosse torná-lo menos querido, escreveria neste o meu nome.
Deviam cristalizar em pérolas as lágrimas que nos caem sobre os espinhos que atapetam a estrada da vida. Se assim fosse não caberiam em ornatos no seu leque as que de dor me tem feito derramar, Celeste. "
"Muitas vezes interrompi as minhas leituras e o meu estudo para beijar este leque como quem beija uma relíquia santa. Deixo-o hoje com saudades. Que ele a faça ao menos recordar do muito e muito que a amo."
Setembro 1868 Jaime Batalha Reis
"Este leque contém a história do meu coração desde que te conheci: primeiro as hesitações e as horas da incerteza: a cristalização de algumas lágrimas choradas por ti. Depois tudo que se passava na alma de ideais, de aspirações à proporção que o coração e o amor me acordava, todas as energias do espírito. E tão belo o momento em que as nossas vistas longo tempo presas a um raio pequeno adquirem como que mais força, e vêem ante si os horizontes aumentarem, as nuvens perderem-se espalhadas por um novo sol!"
(Numa das muitas caixas onde se encontra guardado o Espólio de Jaime Batalha Reis, 112 ao todo!, com milhares de manuscritos seus e de outros autores contemporâneos, repousa um bonito e bem conservado leque de buxo. Nas costas do envelope onde o guardou, Beatriz Cinatti Batalha Reis, a filha que pacientemente preservou e organizou todo o acervo do pai, anotou: Leque de pau de buxo sobre que Jayme Batalha Reis escreveu frases de namoro dirigidas à sua noiva Celeste Cinatti [...]. Nesse tempo o leque era peça indispensável d'uma senhora.
Durante o sofrido namoro com sua futura esposa, Celeste Cinatti, além das centenas de cartas que lhe enviou, deixou-nos, como testemunho da sua relação amorosa, textos pacientemente escritos nas varetas desse leque, datados de 1868 e 1869. O namoro começara em 1867, provavelmente no começo desse ano. O leque, no qual pedira à namorada para escrever algumas palavras, acabou por se manter na sua posse, pelo menos de Agosto de 68 a Março de 69, e servir de confidente aos seus sentimentos amorosos de que nem sempre as cartas eram o veículo mais adequado. Celeste, que já sofrera um desgosto amoroso, mostrava-se desconfiada, obstinada nas suas opiniões, troçando das arremetidas mais românticas que lia nas cartas que Jaime lhe enviava, às vezes três por dia! A tarefa, porém, que se propunha não se apresentava fácil. As varetas, de que só podia aproveitar as partes mais largas, deviam mostrar-se bastante recalcitrantes à tarefa do jovem amoroso.
A lápis, em letra miudinha, as mensagens iam-se acumulando, vareta após vareta, dezanove ao todo, escritas de ambos os lados. Se um leque não fosse um inseparável companheiro de uma senhora, quase um confidente, testemunha dos pensamentos de cada instante; se juntar a recordação de um ente importuno a esse confidente não fosse torná-lo menos querido, escreveria neste o meu nome, reza o primeiro texto. A linguagem nem sempre é escorreita. Jaime Batalha Reis só tinha vinte anos e ainda não era o escritor a quem muitos nos depois Eça iria pedir o prefácio para as Prosas Bárbaras. Aqui, em frases um tanto canhestras, dá largas à sua paixão, maravilha-se com as qualidades físicas e morais da amada, insistindo sempre nos sentimentos que unem as almas de ambos. E a relação vai-se cimentando, desde o tratamento cerimonioso, ate à institucionalização do "tu", em Março de 69, longe ainda do enlace definitivo, mais de três anos depois. No texto escrito naquela data, considera que há um casamento que já se não separa: o das nossas almas. Nas varetas do verso do leque inclui a lenda da princesa Sinfrónia, também ela possuidora de um leque de madeira branca aromática, mas descrente do amor. E nem as palavras escritas pelo seu apaixonado nas varetas desse leque: Amo-te, amo-te, parecem ter alterado os sentimentos da bela princesa. A lenda não é conclusiva quanto à relação da princesa e do seu apaixonado. )
Ganda pinta!
ResponderEliminarMM
Não me digas que já voaram todos!?
ResponderEliminarSe a poesia, como pretendem Dona Adília e Cavalheiro Roque, consiste realmente em «apanhar ar» e saber tocar trompete à la chet, isto é de um imenso e inquestionável «lirismo do camandro». Bem bonitos, todos eles, Senhora Sandra.
ResponderEliminarM.