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Peixes

O sono dos peixes está para além da imaginação. Mesmo no recanto mais sombrio do lago, entre os juncos, descansam vigilantes: permanecem na mesma posição durante uma eternidade e é absolutamente impossível dizer que repousam com a cabeça numa almofada.

Também as suas lágrimas são como um grito no deserto — inúmeras.

Os peixes não conseguem exprimir o seu desespero. Isto justifica a faca embotada que avança ao longo da espinha rasgando as lantejoulas das escamas.

Zbigniew HerbertEscolhido pelas Estrelas - Antologia Poética

uma questão de horas




Sorrow found me when I was young,
Sorrow waited, sorrow won.
Sorrow that put me on the pills,
It's in my honey, it's in my milk.
Don't leave my hyper heart alone
On the water,
Cover me in rag and bones, sympathy.
Cause I don't wanna get over you.
I don't wanna get over you.


Passagem

É pouco mas sossega,
sob o bolso da camisa,
o motim do coração.

José Miguel Silva

falta muito pouco...



Stand up straight at the foot of your love

No Bar A Barraca 5ªF às 22h30

NÃO TER PRESSA,
EXCEPTO QUANDO SE TRATA DE ENCONTROS COM DEUS.

*

A LUA, MESMO PROFANADA,ILUMINA.
HÁ ANJOS QUE AFASTAM AS CORTINAS.

*

HOJE, QUASE PERDI O PÉ, NUM MAR DE ANJOS.


antónio barahona

Remembranza



Remembranza
Tango 1934
Música Mario Melfi
Letra Mario Battistella
Salvado

Agora
somos duas crianças
a brincar com uma bola de silêncio
num jardim onde crescem absintos.

Escuta:
sonha ao meu lado neste leito
e beija-me o rosto sem sombra.
Quero que sejamos o luto
e que do nosso beijo
nasça enfim um punhal de lua.

António Barahona



that's it.

Não é tempo que, amando, nos libertemos do amado? (Rilke)




23 - Da Sublimidade do Amor

É recorrente, nos programas de televisão vespertinos e entre amigos dados às chamadas "conversas moles", debater, pela enésima vez, as diferenças entre paixão e amor. E, contudo, creio que não existem. Não acredito em amores desapaixonados, ainda que o preço a pagar por este entendimento seja, o mais das vezes, a confrontação com a finitude dos amores. O que não convem a quem pretende vender ao mundo uma imagem estável ou viver na comodidade perguiçosa do conhecido, por oposição aos trabalhos a que os recomeços, as reinvenções, obrigam. Não há - nos amores de natureza erótica, de raiz erótica, de fundação erótica - grandes espaços para fraternidades, filiações, amizades que não estejam subordinadas ao erotismo (como na poesia não há espaço para mensagens que não estejam subordinadas ao "dizer poético", que acaba por ser, ele próprio, a sua mensagem mais abrangente e perene).
Mas o que não há, também, é uma obrigatoriedade de amar. Nesse plano, há muitos estádios intermédios que podem até, dependendo das circunstâncias, convir mais a cada qual. Até porque o amor não é uma questão de opção - é irracional, involuntário e altamente improvável. Pressupõe quadros, psicológicos e vivenciais, culturais e físicos, adequados e propícios. O amor é o menos democrático dos sentimentos, o mais elitista (só que, cá está, este elitismo é do seu foro interno - não de qualquer outro). E, sem que isso contradiga o que disse de início, o amor é eterno: quando um amor termina é sinal de que uma das pessoas em causa, ou ambas, morreram, ainda que a morte seja metamorfose ou renascimento ou morte-viva.
E pode, eventualmente, nestes casos, o amor permanecer eternamente vivo no outro, como se votado a um morto ou como amor sem objecto que não o próprio amor, tornando-se, assim, ainda mais substantivo.
Este tipo de amor, estou em crer, só é permitido aos poetas.

Miguel Martins


Saudade é um pouco como fome.
Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda.
Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira
é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector



SOMBRAS

A noite não é o avesso do dia, sequer o seu contrário – de noite os motores do dia trabalham ainda, desengatados, um pouco como bate o coração de quem dorme. Roldanas lentas movem-se fora dos eixos do sentido, trazem para dentro dos quartos a oscilação das sombras, o vento nas árvores, ruídos ao longe. O ar enegrece contra os muros, destila uma liga muito ténue, reúne as peças soltas. Até de olhos fechados se pressente o brilho das coisas quietas, as idas e vindas, os êmbolos, a inquieta vibração de estarem vivas.


Rosa Maria Martelo
A Porta de Duchamp, Averno, Lisboa, 2009.

Post para Melhorar/s






No fundo sou o mesmo que Deus.

(Alberto Caeiro, “Anarquismo”, Pessoa por Conhecer)