Apareço para lançar uma ideia que alicerce
O coração - um ritmo mais tarde.
Eu que nunca
Aprenderei por onde
É que o muro - o mundo - começa a dividir

Daniel Faria

As mãos

No extremo do seu braço, onde era de supor que não houvesse senão uma, ele na realidade tinha, uma envolvendo a outra, duas mãos.

Ambas podiam, consoante a ocasião, chamar a si qualquer destas funções - acariciar ou agredir - embora sempre de maneiras diferentes.

Apesar de apenas uma, provavelmente a que mais próxima estava do meu espírito, fazer o mar vir à superfície daquilo em que tocava, era impossível distingui-las, sobretudo pelo facto de elas, sem que alguma vez tenhamos descoberto de que modo, permutarem entre si.
Nunca sabíamos qual de ambas se encontrava grávida da outra.

Luis Miguel Nava

Céus e Infernos



Agora estou nu e toda a mentira me é impossível; agora estou nu e todas as palavras são inúteis;

agora estou nu diante da imensidade e não posso ao mesmo tempo com o céu e o inferno.

Este momento trágico, esta pausa, este horror em que cada um se vê na sua essência,

em que cada ser se encontra sós a sós com a sua própria alma, reduzido sem artifícios à sua

própria alma, só tem outro a que se compare, aquele em que cada um vê a alma dos

outros.Porque, por melhor ou pior que tenhamos julgado os outros, vimo-los sempre através de

nós mesmos.

in HÚMUS, RAUL BRANDÃO


Era uma vez um lugar com um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para outro, e encontravam-nos, a eles,
ao inferno e ao paraíso, e tomavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade.
As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído.
E diziam: é o meu inferno, é o meu paraíso.
E não devemos malquerer às mitologias assim,
porque são das pessoas

e, neste assunto de pessoas,

amá-las é que é bom.

herberto helder


na pele Brille para ler

Marisa Monte

Sobreinterpretação



o tempo dos montes furiosos e da amizade fantástica.

rené char

Há rios
que são navegáveis e navegam.
É desses que eu gosto.

Jorge Sousa Braga


Faz uma constelação de estrelas

que brilhem no vazio cósmico

Faz outra e mais outra

não pares

Olha o teu irmão

Dá-lhe a mão

aquela que tem as estrelas

e guarda para ti a mão obscura

Essa come-a com angústia.

Henrique Risques Pereira



Acaso caberiam nestes dias essas mágicas mãos vizinhas das estrelas ?

Ruy Belo



a não sei quê para não sei quem

a um não sei quem para um não sei quê

sempre em direcção a mais frio ?

henri michaux