BITTE


Mãos que fabriquem
grandeza...
Rilke

O poeta lembra-se do futuro
Jean Cocteau, in "Diário de um Desconhecido"


o barulho de existir: um cão dentro de mim.

(carlos nejar)


O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós."PRECISA-SE".

Clarice Lispector



Cada cuerpo tiene

sua armonía y

su desarmonía

en algunos casos

la suma de armonías

puede ser casi empalagosa

en otros el conjunto de desarmonías

produce algo mejor que la belleza

Teoria de conjuntos, Mario Benedetti




Mein Gedicht sagt Dir
was ich weiss,
es fragt Dich
was du weisst.

O meu poema diz-te
o que eu sei,
pergunta-te
o que tu sabes.

Ernst Meister







CUÉNTAME COMO VIVES, CÓMO VAS MURIENDO

Cuéntame cómo vives;
dime sencillamente cómo pasan tus días,
tus lentísimos odios, tus pólvoras alegres
y las confusas olas que te llevan perdido
en la cambiante espuma de un blancor imprevisto.

Cuéntame cómo vives;
ven a mí, cara a cara;
dime tus mentiras (las mías son peores),
tus resentimientos (yo también los padezco),
y ese estúpido orgullo (puedo comprenderte).

Cuéntame cómo mueres;
nada tuyo es secreto:
la náusea del vacío (o el placer, es lo mismo);
la locura imprevista de algún instante vivo;
la esperanza que ahonda tercamente el vacío.

Cuéntame cómo mueres;
cómo renuncias -sabio-,
cómo -frívolo- brillas de puro fugitivo,
cómo acabas en naday me enseñas, es claro,
a quedarme tranquilo.


Gabriel Celaya,
in Tranquilamente hablando, 1945




(...)
As tapeçarias transparentes das carícias
A saudade desesperada a violência da despedida
O fulgor dos países perdidos e das cabeças à deriva no mar
de outros anos
EU ESPERO-TE ATÉ QUE A CASA SE SUMA LENTAMENTE À FLOR DA TERRA
Ernesto Sampaio, in Fernanda




Manda calar o mundo.
Nenhum anjo levante
as pálpebras. Profundo,
Tu. E só a noite cante.
Fernando Echevarria, Entre dois Anjos, 1956

A partir de um pormenor qualquer, por vezes insignificante, consegue-se descobrir sem querer, os grandes princípios.
Georges Simenon

Souvent la passion meurt de ce qui l’a fait naître.
Maurice Druon


México
Eu não sei se estiveste ausente.
Eu deito-me contigo e levanto-me contigo.
Nos meus sonhos tu estás junto a mim.
Se estremecem os brincos nas minhas orelhas
Eu sei que és tu que te moves no meu coração
José Agostinho Baptista


A pintura é uma poesia que se vê e não se sente, e a poesia é uma pintura que se sente e não se vê
Leonardo da Vinci, in "Tratado de Pintura"

Procuro o trânsito de um homem que repousa em ti
Como se desvia um homem do seu coração para seguir viagem
Como deixa ficar tudo e acrescenta à sua herança
Procuro conhecer os símbolos, os marcos miliares
Diurnos, como se lêem
Sinais de fumo e o ângulo dos pombos - e todas as coisas
Que nos chegam da distância
Procuro saber como se fecham os pés dentro dos teus
Percursos
Como se põe descalço um homem que necessita
De atravessar-se
E desejo outra vez desdobrada a tua palavra cheia
De estrelas
Para que as recorte, para que as ponha no silêncio
Vivas
Na minha boca e nas minhas mãos
Em chamas
Daniel Faria
Por toda a parte nos resta ainda uma alegria.
A dor pura entusiasma.
Quem sobe sobre a própria miséria, está mais alto.
E é magnífico saber que só na dor sentimos bem a liberdade da alma.

Hölderlin, in Hyperion



"I don't want to imitate life in movies; I want to represent it. And in that representation,
you use the colors you feel, and sometimes they are fake colors.
But always it's to show one emotion"

Pedro Almodovar
Blue.
Qualquer tempo passado é melhor - dizia Unamuno: é e não foi.
O tempo, o amor e a morte ardendo numa só chama, infernalmente juntos para sempre, como nós, Fernanda, condenados a uma eternidade de amor, a um inferno de amor perdurável.
O longe, o muito longe, o mais longe, só o encontrei em ti.
Já nada é de hoje; nem sequer o que padeço hoje.
Ernesto Sampaio, in Fernanda

Do que Nada se Sabe

A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.
As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,
Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absorta
E truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?

Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"


la racine de ce qui nous éblouit est dans nos coeurs

a raiz do que nos deslumbra está nos nossos corações

francis ponge



Sky, so vast is the sky
And far away clouds just wandering by..
Where do they go?
Oh I don't know, don't know...
Wind that speaks to the leaves
Telling stories that no one believes
Stories of love
Belong to you and me....
Oh Dindi....
If I only had words
I would say all the beautiful things that I see
When you're with me
oh my DindiOh Dindi...
Like the song of the wind in the trees
That's how my heart is singing Dindi,
happy Dindi
When you're with me
I love you more today
Yes I do, yes I do
I'd let you go away
If you take me with you
Don't you know Dindi
I'd be running and searching for you
Like a river that can't find the sea
That would be me
Without you my Dindi

Tom Jobim

É o sangue um licor especialíssimo.
(Mefistófeles para Fausto, in Fausto,
Johann W. Goethe)


A todos disse adeus. Desde a minha infância
fez-me homem, lentamente, a despedida.
Mas persisto em voltar, quero recomeçar,
este regresso nítido liberta-me o olhar.


Só me resta dar-lhe plenitude,
e essa minha alegria que nunca aprendeu
por ter amado as coisas quase parecidas
com essa ausência que nos faz agir.


Rainer Maria Rilke






Sem nunca ser, mas sempre na orla do Ser
A minha cabeça, como a máscara de Morte,
é transportada no Sol
A sombra apontando o dedo à minha face
Movo os lábios para saborear, mexo as mãos para tocar
Mas nunca vou mais além do tocar,
Ainda que o espírito se incline para ver.
Diante da rosa, o ouro, os olhos, uma paisagem admirada,
Os meus sentidos registam o acto de desejar,
Desejar ser rosa, ouro, paisagem ou um outro -reclamando a plenitude no acto de amar.
Virginia Woolf



Trabalha o espanto uma imagem sem fundo - noite apenas cheia do ofício das mãos

Herberto Helder



Comboio Rápido
Castanho de cognac. Castanho de folhagem. Castanho avermelhado.
Amarelo malaio.
Rápido Berlim - Trelleborg e as praias do Báltico.
Carne que ía nua.
Bronzeada pelo mar até à boca.
Madura e inclinada. Para a volúpia grega.
Em nostalgia de foices: como vai longe o verão!
Dentro de nós, a ânsia do restolho e últimas amêndoas.
Relaxamentos, o sangue, as lassidões,
A proximidade das dálias enlouquece.
Bronzeado de homem lança-se sobre bronzeado de mulher
(...)
Gottfried Benn


Ofereço-te quaisquer visões que os meus livros possam conter,
qualquer bravura ou humor da minha vida.
Ofereço-te esse núcleo de mim mesmo que guardei fosse como fosse

- o coração central que não lida com palavras

Jorge Luis Borges