Mais coisas do Kino2011 - Goethe-Institut


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Caminhos que levam a parte alguma,
algures, entre dois prados;
que diríamos que, com arte,
foram desviados da rosa-dos-ventos,

caminhos que , muitas vezes, não
têm à sua frente nada mais
que não seja o tempo em que se está,
e o puro espaço existente.

Rainer Maria Rilke,
Frutos e Apontamentos

O real é como o fantástico:
mede o mundo com medidas arbitrárias

Rainer Maria Rilke

Sobe nos estores a impressão
de uma retirada: a tarde levanta
as suas âncoras rosadas e parte, deixa
ao frio todos os vestígios. Assim
se fecham em cicatriz. Sombras
misturando-se ao sal e à neblina,
charcos, bichos d’água, um braço
de canteiros com as flores que lhe
restam farejando na treva. Negros,
mínimos sinos, espicaçados
pelo vento – sem cor, quase só ruído
e cheiro – soam longamente
enquanto as ruas se estreitam,
já sem luz,
e a distância nos diz coisas incríveis,
ri-se, enxovalha-nos.

Queres as horas certas, perguntas,
pedes tempo a qualquer corpo triste.
Deixas-te amparar em qualquer café.
Estrelas extremas sobre estas mesas
de aço, pedras assobiando ao passario.
Qualquer fantasia já vai juntando
umas letras, aprende a escrever,
escolhe um veneno.

Ócios nocturnos, a noite mesma
um ritmo de cotovelos, este avolumar
de páginas enfurecidas. Deserções,
desacatos, versos imperdoáveis. A garganta
em carne viva, soletra ofensas novas
e da realidade (velha beata metediça)
só aceita esse seu queixo caído.

Que idade perdida, que cheiro
a desinfectante, e a veemência destes
velhos contadores de lérias-lendas, agarrados a seus
inúteis lemes – em cada bolso um reino
só de traças.
A afundar-se há anos a um canto,
um piano decrépito acarinha alguma
balada profana – tão cheia de escuridão,
como se dela bebêssemos
noites futuras. Tantos invernos piores,
razões suficientes para não voltarmos.

Mas recolhemos a nossa morte
na vida dos outros.
Por isso vens, fazes-te vítima de tudo:
essas coxas, meias de malha, mãos
de louça antiga, sardas e
que boca, que madrugada adolescente.
O olhar, pequeno vadio de cor perdida,
segue apalpando o que tem por diante,
antes que também esfrie e o desejo
escureça inteiro numa garrafa,
só à espera do gusano. Seguirás
depois, sem nada,
em busca de algum espelho doce
e de uma lâmina que te abra
o último sorriso.

Diogo Vaz Pinto


FRIO
    [Tim Walker]



Age de tal maneira que os anjos tenham alguma coisa para fazer.


FranZ KafKa



E o amplexo, não vos promete quase a



e t e r n i d a d e ?

rainer maria rilke

Se calhar agora já não é bem assim.




Figuras, descrições, medidas, números e
desenhos ainda não expõem um fenómeno.


Goethe,
Máximas e Reflexões,
1810

The only way out
is always trough.

Robert Frost



Os noivos


Deitados na erva
uma rapariga e um rapaz.
Comem laranjas, trocam beijos
como as ondas trocam suas espumas.


Deitados na praia
uma rapariga e um rapaz.
Comem limões, trocam beijos
como as nuvens trocam suas espumas.


Deitados sob a terra
uma rapariga e um rapaz.
Não dizem nada, não se beijam,
trocam silêncio por silêncio.


Octavio Paz



QUEM NÃO ACHOU O CÉU - AQUI EM BAIXO -
LÁ EM CIMA NÃO O HÁ-DE ENCONTRAR -
QUE OS ANJOS SEMPRE ALUGAM CASA AO LADO
DA QUE FORMOS HABITAR.

Emily Dickinson


Em sonhos,cada homem faz a sua substância dos anjos.
Dos bons e dos maus, que são os mesmos, prisioneiros da própria vertigem.
O angelismo do nosso sonho é natural.

Eduardo Lourenço




Mas para Ti, para a noite e para os poetas do ser,
Por entre rostos a escorrer,
as coisas obscuras são algo evidente.

Rainer Maria Rilke



O favor das estrelas é convidar-nos a falar, mostrar-nos

que não estamos sós,

que a aurora tem um tecto e o meu fogo as tuas duas mãos.



René Char



Tu és o futuro, aurora imensa
sobre as planícies da eternidade.
Tu és o cantar do galo depois da noite da temporalidade,
o orvalho, a missa de alva e a mocidade,
o desconhecido, a mãe e a morte tensa.

Tu és a figura a transformar-se,
do destino sempre solitária a se erguer,
que permanece por exaltar e por lamentar
e como floresta selvagem por descrever.

Tu és das coisas o cúmulo mais profundo,
que cala a última palavra do seu ser
e que aos outros sempre diferente se vai mostrando:
ao navio costa e à terra navio a aparecer.

Rainer Maria Rilke


MORO EM POSSIBILIDADE -
MELHOR CASA DO QUE A PROSA -

Emily Dickinson


Entre o meu País - e os Outros -
Há um Mar -
Mas Flores - negoceiam entre nós -
Como Embaixadas. 

Emily Dickinson