Umberto Boccioni (Italian, 1882-1916)
Num percurso de ida e volta devem entrar em três buracos dispostos em linha recta, saindo vencedora a criança que chegar primeiro ao buraco inicial. (Edição Revista e Aumentada)
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio. De paixão.
Herberto Helder
Há uma lembrança para o corpo,
a tua: é a de um abraço de rede,
esse abraço de corpo inteiro
de qualquer rede do Nordeste,
da rede que tua Andaluzia,
que é tão da sesta, não conhece,
e mais que abraço, é o abraçar
de tudo o que pode estar nele;
é o abraço sem fora e sem dentro,
é como vestir outra pele
que ele possui e que o possui,
uma rede nas veias, febre.
João Cabral de Melo Neto, in Agrestes
Tentei fugir da mancha mais escura
(No dia 17 de Maio, Domingo, pelas 17h - HOJE - espectáculo "BMLT", com texto Miguel Martins, leitura por Changuito, música e pintura ao vivo, por Abdul Moimême e A. Pinto Ribeiro, respectivamente. É no Teatro Chimico (foto) do Museu de História Natural, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. A entrada é gratuita. )
Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha,
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada
alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler
alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios
alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar
António José Forte
CONTRALUZ
O coração ficou escondido no escuro e duro como a pedra filosofal.
*
Era Primavera e as árvores voavam para os seus pássaros.
*
Tantas vezes o cântaro partido vai à fonte até que esta seca.
*
Quatro estações do ano e nenhuma quinta para se decidir por uma delas.
*
O abraço dela durou tanto que o amor desesperou deles.
*
Tinha chegado o dia do juízo e, para se procurar a maior das infâmias, a cruz foi pregada em Cristo.
*
Enterra a flor e põe o homem sobre esta campa.
*
A hora saltou do relógio, pôs-se à frente dele e ordenou-lhe que andasse certo.
Paul Celan, no jornal Die Tat, Zurique,1949
Sai-me dos dedos...
No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega.
Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?
Alfonsina Storni
The Laughing Heart
your life is your life.
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous.
the gods wait to delight in you.
Charles Bukowski (1920-1994)
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissãode espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavraque é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
Carlos Drummond de Andrade
Ne Me Quitte Pas
Ne me quitte pas, il faut oublier
Tout peut s’oublier qui s’enfuit déjà
Oublier le temps des malentendus
Et le temps perdu à savoir comment
Oublier ces heures qui tuaient parfois
A coups de pourquoi le coeur du bonheur
Ne me quitte pas, ne me quitte pas,ne me quitte pas
Moi, je t’offrirai des perles de pluie
Venues de pays où il ne pleut pas
Je creuserai la terre, jusqu’ après ma mort
Pour couvrir ton corps d’or et de lumière
Je ferai un domaine où l’amour sera roi
Où l’amour sera loi, où tu seras reine
Ne me quitte pas, ne me quitte pas,ne me quitte pas
Ne me quitte pas, je t’inventerai
Des mots insensés que tu comprendras
Je te parlerai de ces amants là
Qui ont vu deux fois leurs coeurs s’embraser
Je te raconterai l’histoire de ce roi
Mort de n’avoir pas pu te rencontrer
Ne me quitte pas, ne me quitte pas,ne me quitte pas
On a vu souvent rejaillir le feu
De l’ancien volcanqu’on croyait trop vieux
Il est parait-il des terres brûlées
Donnant plus de blé qu’un meilleur avril
Et quand vient le soir pour qu’un ciel flamboie
Le rouge et le noir ne s’épousent-ils pas?
Ne me quitte pas, ne me quitte pas,ne me quitte pas
Ne me quitte pas je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler, je me cacherai là
A te regarder danser et sourire
Et à t’écouter chanter et puis rire
Laisse-moi devenir l’ombre de ton ombre
L’ombre de ta main, l’ombre de ton chien
Ne me quitte pas, ne me quitte pas,ne me quitte pas
Jacques Brel, 1959
Por tudo o que me deste:
- Inquietação, cuidado,
( Um pouco de ternura ? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
Obrigado, obrigado!
Por aquela tão doce e tão breve ilusão,
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!
Que bem me faz , agora, o mal que me fizeste!
- Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: - Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!
Carlos Queiroz