XIII

una idea fija
una leyenda infantil
una desgarradura

el sol
como un gran animal oscuro

no hay más que yo
no hay qué decir


XIV

qué es este espacio que somos
una idea fija
una leyenda infantil

hasta nueva orden
no cantaremos el amor
hasta nueva orden


Alejandra Pizarnik










A cidade, a noite e tu

Todas nuas nos meus braços
a cidade, a noite e tu
a vossa claridade ilumina-me o rosto
e há ainda o perfume dos vossos cabelos.
A quem pertence este coração que bate ?
acima do murmúrio das nossas respirações palpitantes
será a tua voz, a da cidade, a da noite
ou a minha ?
Onde acaba a noite, onde começa a cidade
Onde acaba a cidade, onde começas tu~

Onde está o meu fim, onde está o meu princípio?

Nâzim Hikmet


A Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade

A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
Húmus, e alma, é a solidão.
E vento, quando da imóvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisão pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada que,
por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.
Fernando Echevarría, in "Sobre os Mortos"




Amo o Caminho que Estendes


Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos.


Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

Páginas de doutrina


É certamente admirável o homem que se opõe a todas as espécies de opressão, porque sente que só assim se conseguirá realizar a sua vida, só assim ela estará de acordo com o espírito do mundo; constitui-lhe suficiente imperativo para que arrisque a tranquilidade e bordeje a própria morte o pensamento de que os espíritos nasceram para ser livres e que a liberdade se confunde, na sua forma mais perfeita, com a razão e a justiça, com o bem; a existência passou a ser para ele o meio que um deus benevolente colocou ao seu dispor para conseguir, pelo que lhe toca, deixar uma centelha onde até aí apenas a treva se cerrara; é um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

(à cause de...)

Acontece, porém, que, nas sociedades que, há séculos (paulatinamente, manhosamente, ardilosamente), se têm vindo a montar (e chamemos-lhes, apenas Sociedades Materialistas, para não derrapar por uma ladeira de outros epítetos mais comezinhos), é útil aos efectivos e putativos detentores dos poderes seculares que os homens sejam exactamente assim - condicionados, acabrunhados, covardes, julgando agir em nome e em prol próprios (no total desprezo pelos sublimes votos da pobreza, da castidade e da obediência, esses sim, libertadores, mas tidos por tirânicos), julgando agir segundo o primado da Razão (quando, tão só, a confundem com a dita "racionalidade"), e funcionando, enfim, e isso sim, em prol da sedimentação desses poderes que lhes escapam, nas suas intenções e na sua dimensão. O homem que constrói fábricas ou foguetões é domável; o homem que sonha e imagina, não. Só que o segundo põe a nu, precisamente, a contingência (em sentido preciso) e a iniquidade destas sociedades, cujo fim é - ao fim e ao cabo - a saciedade dos mais vis e sórdidos apetites dos ditos detentores dos poderes seculares. Porque, não nos enganemos, não há como nem porquê dizê-lo de outro modo - vivemos numa enorme cleptocracia; por ladrões, (in?)vulgares ladrões, somos governados, na totalidade das esferas de governo do mundo terreno.

(...)

Miguel Martins




What can we do?


at their best, there is gentleness in Humanity.
some understanding and, at times, acts of
courage
but all in all it is a mass, a glob that doesn't
have too much.
it is like a large animal deep in sleep and
almost nothing can awaken it.
when activated it's best at brutality,
selfishness, unjust judgments, murder.

what can we do with it, this Humanity?

nothing.

avoid the thing as much as possible.
treat it as you would anything poisonous,
vicious and mindless.
but be careful. it has enacted laws to protect
itself from you.
it can kill you without cause.
and to escape it you must be subtle.
few escape.

it's up to you to figure a plan.


I have met nobody who has escaped.

I have met some of the great and
famous but they have not escaped
for they are only great and famous within
Humanity.

I have not escaped
but I have not failed in trying again and
again.

before my death I hope to obtain my
life.


Charles Bukowski
Blank gun silencer - 1994


Olhar e Chorar


Notável criatura são os olhos! Admirável instrumento da natureza; prodigioso artifício da Providência! Eles são a primeira origem da culpa; eles a primeira fonte da Graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, e que a tentação pôs o veneno, e a contrição a triaga. São duas setas com que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dois escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dois. O Ouvido ouve, o Gosto gosta, o Olfacto cheira, o Tacto apalpa, só os olhos têm dois ofícios: Ver e Chorar. Estes serão os dois pólos do nosso discurso. Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista; e por que uniu a mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Por que ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários, ver e chorar? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a Natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem.


Padre António Vieira, in "Sermões"

CHASE SIMPLICITY


Poderia talvez ver-se a inteligência como um dos instintos do homem.
Outro, possivelmente, o de não entender; utilíssimo: livra de muito

Agostinho da Silva,
"Textos e Ensaios Filosóficos"

No puede ser mas sencillo

Esto es así;

me gusta de este modo
y me gustaría también si fuera de otro:
cuadrado, rojo o duro, real sencillamente.

Todo está bien;
todo es justo y bello;
hay una alegría -vivir- que envuelve y junta
mis penas, mis errores, mis risas y mi miedo.

Me gusta lo que toco;
me gusta lo que veo,
y lo que respiro con los pulmones anchos,
y lo que me duele (porque sé asi que existe).

Me gustan los objetos que aquí mido, aquí peso,
y me gustan los hombres que hablan o que callan;
me gusta cuanto existe, lo entienda o no lo entienda,
me gusta simplemente porque está existiendo.


(Gabriel Celaya)




Elogio da Distância


Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.

Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco do corpo as vestes
e o brilho de uma jura:

Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.

Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.

Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.

Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.


Paul Celan, in "Papoila e Memória"
Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno


A Canção do Suicida


Só mais um momento.
Que voltem sempre a cortar-me a corda.
Há pouco estava tão preparado
e havia já um pouco de eternidade
nas minhas entranhas.

Estendem-me a colher,
esta colher de vida.
Não, quero e já não quero,
deixem-me vomitar sobre mim.

Sei que a vida é boa
e que o mundo é uma taça cheia,
mas a mim não me chega ao sangue,
a mim só me sobe à cabeça.

Aos outros alimenta-os, a mim põe-me doente;
compreendei que há quem a despreze.
Durante pelo menos mil anos
preciso agora fazer dieta.



Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"


a raiz do que nos deslumbra está nos nossos corações

(francis ponge)

Que espécie de homens são esses que têm predilecção pela monotonia do mar? Parece-me que são aqueles que lançaram olhares excessivamente longos e profundos à confusão do mundo interior para poderem exigir do exterior outra coisa a não ser, pelo menos, simplicidade...

Thomas Mann
(Os Buddenbrook)
SYRINX, FICÇÃO PASTORAL (XVII)

Perdoa, não sabia que cantavas
Em sossego, silenciosamente. Neste calor
é preciso beber água gelada; também convém
não adorar ídolos, por exemplo a imagem
que aí trazes de ti e te atormenta
(ou me atormenta a mim?).
Outros exemplos incluem jardins de babilónia,
Erupções do etna, o efeito
afrodisíaco do diamante,
as ciências da educação.
Vou-me sentar aqui, respirar até doer
as coisas possíveis nunca reais,
aprender, nó a nó, como te soltas;
Vamos cair num poço, sem
bússola e pára-quedas, vamos ser o primeiro
amor a dois no mundo.


António Franco Alexandre
in Poemas, Assírio & Alvim
Like a bird on the wire
Like a drunk in a midnight choir
I have tried in my way to be free
Like a worm on a hook
Like a knight from some old fashioned book
I have saved all my ribbons for thee
If I, if I have been unkind
I hope that you can just let it go by
If I, if I have been untrue
I hope you know it was never to you
Oh, like a baby, stillborn
Like a beast with his horn
I have torn everyone who reached out for me
But I swear by this song
And by all that I have done wrong
I will make it all up to thee
I saw a beggar leaning on his wooden crutch
He said to me, "You must not ask for so much"
And a pretty woman leaning in her darkened door
She cried to me, "Hey, why not ask for more?
"Oh, like a bird on the wire
Like a drunk in a midnight choir
I have tried in my way to be free
Leonard Cohen, Bird on the wire


DEITADOS LADO A LADO, envoltos nas fadigas do dia.
Paisagem fresca e calma onde passam histórias irrealizáveis,
o sono repousava sobre nós.
Nenhuma espada precisava de nos separar.
Um peso delicioso, pesando na minha perna, despertou-me.
Reconheci o teu pé.
Soube então, por um homem e uma mulher que se conhecem,
o que era estar deitado lado a lado.
in Fernanda, Ernesto Sampaio



" Ah, meu amor, não tenhas medo da carência: ela é o nosso destino maior. O amor é mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre.
Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão. "
Clarice Lispector, in A Paixão segundo G.H.





Al berto