15. "Promise not to write about me "

Late into the night she reads Musil in the original
and remembers, fitfully, when life wasn't a surveillance balloon
black and drifting over another century

John Mateer, The Azanians
Tea for One

Como tarda o verão II





Please beware of them that stare
They'll only smile to see you while
Your time away
And once you've seen what they have been
To win the earth just won't seem worth
Your night or your day
Who'll hear what I say.
Look around you find the ground
Is not so far from where you are
Don´t too wise
For down below they never grow
They're always tired and charms are hired
From out of their eyes
Never surprise.

Take your time and you'll be fine
And say a prayer for people there
Who live on the floor
And if you see what's meant to be
Don't name the day or try to say
It happened before.

Don't be shy you learn to fly
And see the sun when day is done
If only you see
Just what you are beneath a star
That came to stay one rainy day
In autumn for free
Yes, be what you'll be.
Please beware of them that stare
They'll only smile to see you while
Your time away
And once you've seen what they have been
To win the earth just won't seem worth
Your night or your day
Who'll hear what I say.

Open up the broken cup
Let goodly sin and sunshine in
Yes that's today.
And open wide the hymns you hide
You find reknown while people frown
At things that you say
But say what you'll say
About the farmers and the fun
And the things behind the sun
And the people round your head
Who say everything's been said
And the movement in your brain
Sends you out into the rain.

NICK DRAKE


Uma Palavra


Longe de mim querer corromper a juventude,
É um trabalho que sobreleva as
Minhas capacidades.
Antes cicuta.
Mas tenho que explicar o sentido
Da palavra “desesperança”.


É uma esperança negativa.
A gente senta-se num cais
E deixa o sol trabalhar.
O sol minúsculo, isto é, o calor na pele.
Chamo a isto a experiência mínima.


Feito isto:
Venha de lá então
Essa catástrofe.


Manuel Resende,
O mundo clamoroso, ainda (2004)


longas manhãs te esperei tremendo no patamar dos olhos

fernando assis pacheco





Quando tu vens
a solidão cai leve como a flor do lírio
e as aves nos pauis levantam voo
e há orvalho em teus primeiros pés
Não assistisses tu a esta nossa vida
caíssem-nos os gestos ou quebrados ou dispersos
e nenhum rosto decisivo um dia fecharia
todas as palavras com que dissemos os versos...

Ruy Belo









Pernoitas em Mim


pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer


pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas


é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves


já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes


Al Berto, in 'Rumor dos Fogos'
35

Ontem senti dor,
não conhecia o seu rosto sanguíneo
lábios duros de metal,
nítida ausência de horizontes.
A dor não tem porvir
é um focinho de cavalo que bloqueia
os poderosos jarretes,
mas ontem fui ao fundo,
os meus lábios fecharam-se
e o pavor entrou-me no peito
com um silvo profundo
e as fontes deixaram de florir,
a sua água doce
era apenas um mar de dor
em que eu naufragava dormindo,
mas mesmo então temia
os anjos eternos.
Mas se são tão doces e constantes
porque me aterroriza a imobilidade?



Alda Merini
A Terra Santa
Livros Cotovia, 2004

 

De Um e de Dois, de Todos

Sou o espectador o actor e o autor
Sou a mulher o marido e o filho
E o primeiro amor e o derradeiro amor
E o furtivo transeunte e o amor confundido

E de novo a mulher seu leito e seu vestido
E seus braços partilhados e o trabalho do homem
E seu prazer em flecha e a fêmea ondulação
Simples e dupla a carne nunca se exila

Pois onde começa um corpo ganho eu forma e consciência
E mesmo quando na morte um corpo se desfaz
Eu repouso em seu cadinho desposo o seu tormento
Sua infâmia me honra o coração e a vida.

 
Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Trad. António Ramos Rosa









"Der Himmel über Berlin" ,
As Asas do Desejo, Wim Wenders, 1987




sabíamos que na alba seguinte não nos restaria
mais nada, nem a mulher bebendo ao nosso lado o sono
nem a memória de que fomos homens alguma vez

Yorgos Seferis




Queres que te conte sobre este ardor
arroxeado, a luz breve dos jacarandás
enquanto se desprende a manhã
ao ritmo estranho dessas
canções amputadas, melodia ácida
onde pousa a voz, sem uma frase certa
que possa martelar? Carícias assim,
um afecto entre sombras. Esquecida
a carne, esquecido o seu perfume
e os cinco meses anteriores.


No estio das primeiras horas
só o pus das imagens. A rotação pobre
de que sofre o silêncio, madrugadas
em seu rendado escuro, suas sílabas de
fuligem e bolor, conchas, pedacinhos
de ossos e outros fósseis líricos.
As nossas alusões amputadas concentrados,
slogans de um desespero que
já nem será nosso,
mas onde mergulhámos as mãos
cansadas e sujas de virar
fantasias de revista, este mundinho
de vazios berrantes, derrubado
sobre os nossos joelhos.


Soa disperso um eco gélido, o balido
de um sino, animal que vem sangrando
há séculos. Vagueio por aí
e sinto o peso de mil vozes sobre
a minha. Como olham
longamente, como alargam um gesto
solto das lendas, os vultos em fundo.
Assobios levados pelas brisas a esse limiar
onde o real se apeia nos eléctricos
que passam entre sonhos. A cabeça
encostada à janela, adormecida à margem
das encantações. Juntos, puxam
devagarinho os fios de sol, luz
que apalpou os frutos todos, um gosto
a abismo entre aquelas mãos intensas.


Persigo a pequena aranha de prata
que levavas presa na força escura
dos cabelos, a raiz espessa de uma nódoa
de batôn que me engole, o vestidinho curto,
cheio de brilhos – cinza de estrelas, dizias,
mordendo um sorriso. Bebeste-me a água
das flores, e a tua boca ainda
mexe mas não se percebe nada. Já não
serias tu. Restos de ti que levei a esse mito
de água salgada, mulher, cântico sem fim.


Aonde me levam agora
esses atalhos que aprendi contigo?
Ficaram algumas noites minhas
ainda em tua casa, leituras que deixei
a meio, mesmo a posição doce
desse corpo, esculpido quando dormias
e eu não.
Isso tudo, agora um poema atravessado
dos sinais que mais cedo nos esquecem.
Não me digas que não é triste.

 Diogo Vaz Pinto,
in O Melhor Amigo



 


Chegamos então à beira do velho precipício - o entusiasmo das palavras vagas. É a este antigo último recurso que recorremos sempre - exclamações ou frases compulsivas que não conseguimos deixar de dizer. Talvez seja melhor tratar agora dessa estranha ferramenta, a linguagem, que me põe para fora do corpo - tentar apreendê-la, indeciso entre o mugido daquilo que vai sob a camisa e a fatuidade grandiosa de minhas frases. Sem conseguir escolher se a vida é bênção ou matéria estúpida, examinar então, pacientemente, algumas pedras, organismos secos, passas, catarros, pegadas de animais antigos, desenhos que vejo nas nuvens, cifras, letras de fumaça, rima feita de bosta, imensidão aprisionada numa cerca, besouros dentro do ouvido, fosforescência do organismo, batimento cardíaco comum a vários bichos, orgãos entranhados na matéria inerte, olhando a um só tempo do alto e de dentro para o enorme palco, como quem quer escolher e não consegue:
matéria ou linguagem ?




Nuno Ramos, in Ó
Ed. Iluminuras



E insistia
tal como entre esta noite e a noite passada não há ruptura de noites,
apenas se transmite entre todas elas ,
simplesmente e com iluminada continuidade,
a mesma nostalgia do estranho simples


Maria Gabriela Llansol
O Solitário

Não: uma torre se erguerá do fundo
do coração e eu estarei à borda:
onde não há mais nada, ainda acorda
o indizível, a dor, de novo o mundo.

Ainda uma coisa, só, no imenso mar
das coisas, e uma luz depois do escuro,
um rosto extremo do desejo obscuro
exilado em um nunca-apaziguar,

ainda um rosto de pedra, que só sente
a gravidade interna, de tão denso:
as distâncias que o extinguem lentamente
tornam seu júbilo ainda mais intenso.


O mundo estava no rosto da amada -

O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.


Rainer Maria Rilke
(Tradução: Augusto de Campos)