per aspera ad astra



per aspera ad astra




per aspera ad astra



per aspera ad astra







per aspera ad astra




per aspera ad astra



per aspera ad astra


per aspera ad astra
per aspera ad astra
per aspera ad astra



- Entra e vê se há quartos, e ainda com que nos nutrirmos - disse Colin.

Boris Vian,
A Espuma dos Dias


Para vir a possuir tudo,
Não queiras possuir algo em nada
Para vir de todo ao todo
Hás-de deixar-te de todo em tudo

S. João da Cruz


No próximo dia 27, pelas 18.30h, no Bar do Teatro
A Barraca (Lg.Santos, Lisboa), será lançado o novo livro de
Marta Chaves
"Pensa que deixou de pensar nela"
editado pela Tea For One. A apresentação estará a cargo do escritor Carlos Mota de Oliveira (na foto). A obra inclui um desenho de Sandra Filipe e o grafismo é de Inês Mateus.


a pensar nisso...


Reverse Side of a Painting, Cornelis Gijsbrechts (1670).



However mean your life is, meet it and live it: do not shun it and call it hard names. Cultivate poverty like a garden herb, like sage. Do not trouble yourself much to get new things, whether clothes or friends. Things do not change, we change. Sell your clothes and keep your thoughts.

Henry David Thoreau

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...existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro...





 

XXII

PORQUE TUDO
NÃO TARDA

A ACONTECER
NAS ASAS

Carlos Mota de Oliveira




"Espero que a minha partida seja feliz, e espero nunca mais regressar "

(última anotação no diário de Frida Kahlo)



 
Faz o que podes, no lugar onde estás e sê bondoso.
 
Frida Kahlo
silêncios do céu neste novo Inferno
a cada um só resta
mas resta ainda
o seu próprio voo solitário

ana hatherly


 
Afinal o sol tremendo sempre vem
Consome com os dentes o cinzento
E ardem loucos os vermelhos
Que cobrem a erva que me doira
O chão do peito

Afinal então batem-me aqui
Este tambor de sangue
Como um sexo de tempo
Pela vida dentro
E estou para gritar

(parece tão simples, agora eu dava-te a mão, sorria com força, dizia-te as cores da esperança que fui catar com um ancinho, punha-a suave no teu bolso e ardíamos os lábios abertos ao temporal de acreditar)

Então não grito.
Agarro-te na boca
E venho contigo
num abraço
Fazer amor à multidão

Manuel Cintra

CANÇÃO

Dói-me aqui estou só.

Jorge Roque


O meu peso nas tuas mãos abertas:
a paciência insonora do meu desespero.

Paul Celan


Nenhum  anjo, por mais desatinado, nos cobiçará. Esta cisterna humana engendrou doses sobrenaturais de tédio. Como se na agitação das matérias não houvesse alimento suficiente para o músculo da paixão. Isentos da plácida imortalidade dos anjos, despojamo-nos da fome dos sentidos. Vamo-nos deitando, lentos glaciares, numa desolação mais extrema que a ignorância da gravidade.

Vasco Gato,
in Rusga, Trama
2010


3

Nasce na tua língua e na minha língua
de estrangeiro. Nasce no riso
cúmplice e no número do quarto
que esqueceste escrito no meu jornal.
Ou nasce da noite antiga
onde os corpos perdem a sua fronteira.
Nasce nos teus olhos e nasce nos meus olhos.

E a tua língua é a estrangeira
na minha boca e roda a minha língua
pela alcatifa até afundar-se nas tuas ancas,
até atravessar os rios com os teus pés.
E resvalam as minhas mãos pelo declive
da tua pele, e nas minhas ancas
afunda-se a tua língua e atravessaste rios
com os meus sonhos. Os teus pés nos meus lábios
e o meu pescoço sobre as tuas costas
e as tuas pernas por cima do meu peito.
E sinto o meu corpo estrangeiro
e o teu meu, enquanto nasce
o que cresce sem ter anos nem dias.

Então aprendi que depressa
de nada ia servir a inteligência.


José Ángel Cilleruelo
Antologia , Averno

Cicatrizes florescidas



A água quente lembra-me todas as manhãs
que não tenho mais nada vivo ao pé de mim.

Yorgos Seferis

Emagreceu em poucos dias,
só de ficar quieto, o olhar mera
passagem de sombras,
demoradíssimo – todo o alcance dessa
ausência louca, e aquela expressão
de nunca mais.
Um fio de cabelo atado no pulso,
e as mãos que traz como uma ferida
à altura da boca. Poisa-a nessa artéria
escura, os lábios abrindo um nada
como se noutros esquecessem
uma flor ensanguentada: incêndio
tão delicado consumindo o ar que
nos falta agora a todos.

Bafeja e deixa senhas nas janelas da casa,
tensas sílabas, pequenas lesões sobrepondo-se
à distância. A luz deitada lá fora
como uma nota arrastada e sem fim,
dilatando a tarde, essa impressão que
lhe seca a garganta. Esta terra
estranha iluminada por um sol negro,
não aquece nem seca a chuva
que nos ensopa até aos ossos. Fica
a vibração dos contornos, moradas
precárias. As cicatrizes florescidas
no paredão e essa talha onde as vespas
bebem a água enquanto esta
lhes bebe o reflexo. Algumas afogam-se.
Em cima, os pássaros nos fios como notas
numa partitura. Áspera melodia
de uma hora que não tem como partilhar.
Dois dedos lambidos decifram a
inclinação do vento, os ouvidos sugando
o ruído, gorjeios secos, sem timbre, baixa
a voz, devolve-lhes um eco submisso
e recorda dois versos de Larkin, perfeitos:
Let me become an instrument sharply stringed
For all things to strike music as they please.

Toma a respiração desta paisagem
anoitecida e escreve os últimos capítulos
da sua lenda exausta. Desenha-os,
enredados caminhos onde observa
o escuro rondando o escuro, e a lua ali
perdida e podre como um destroço náutico.
Deitado esperará a manhã e o som
dela escovando os cabelos.

Diogo Vaz Pinto


é sempre a mesma curva
cega, neste troço de pedra lascada,
não há como escapar
às primeiras chuvas
ao piso escorregadio dos olhos,
despiste, falésia mortal,
o coração não entende
sinais vermelhos


Renata Correia Botelho
in Telhados de Vidro  nº2, Maio 2004



Primeiro apagam-se as memórias, depois cometem-se os mesmos crimes.

max tilmann