sáb.24 dez 1927
qua.25 mar 2011


NAS FOLHAS DE CHÁ

Estamos de passagem mas em caso algum

esqueceremos o orvalho. Os nossos poros

ossificaram o sangue, é o que a terra diz:

– o alcatrão não é o meu vestido de luto,

mas a pele irrespirável da minha carne.

Agora quem vai querê-la por noiva?

As grinaldas estão cheias de poeira e a

marcha nupcial desafina as estrelas.

O sol feito de gasolina na nossa pele

de verão apodrece depressa nas rugas.

Ainda ris por entre as frestas negras

e deixas entrever outro destino nas folhas

de chá. Mesmo assim o teu cadáver

é belo entre as flores do campo que resta

e o fumo do comboio que te cinza.

O orvalho é uma palavra dócil. Às primeiras

horas quando os despojos se deixam invisíveis

ainda me extasias como a uma princesa a florar

a erecção inicial antes da radiografia pulmonar.

Não choramos por nós quando te morremos?

Rosa Alice Branco



Sem comentários:

Enviar um comentário