Num percurso de ida e volta devem entrar em três buracos dispostos em linha recta, saindo vencedora a criança que chegar primeiro ao buraco inicial. (Edição Revista e Aumentada)
Festival IndieLisboa
«Existe na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa, nem se deixa governar!»
General Galba, um dos primeiros governadores romanos na península,
Séc.III AC
Começa assim e vale a pena ver:
Barba
Paulo Abreu
Exibições ainda a 1 Maio, 21:30, Cinema São Jorge, Sala 3
Secções: Cinema Emergente, Competição Nacional
Ficção, Portugal 2011, 22', 8 Mm, Silent
Argumento: Paulo Abreu
Fotografia: Paulo Abreu
Música: Vitor Rua
Montagem: Paulo Abreu
Com: André Gil Mata, Frederico Lobo, Jorge Quintela, Pedro Bastos
Produtor: Rodrigo Areias
Produção: Bando à Parte
'Um chico-esperto, um sonhador, um simplório e um preguiçoso vivem em comunidade numa era pré-civilizacional. O realizador mostra com pessimismo e humor que o homem é um ser que permanece igual a si próprio, independentemente das mudanças que origina no mundo. E tem um final...' (Miguel Valverde)
«Existe na parte mais ocidental da Ibéria, um povo muito estranho: não se governa, nem se deixa governar!»
General Galba, um dos primeiros governadores romanos na península,
General Galba, um dos primeiros governadores romanos na península,
Séc.III AC
Começa assim e vale a pena ver:
Barba
Exibições ainda a 1 Maio, 21:30, Cinema São Jorge, Sala 3
Argumento: Paulo Abreu
Fotografia: Paulo Abreu
Música: Vitor Rua
Montagem: Paulo Abreu
Com: André Gil Mata, Frederico Lobo, Jorge Quintela, Pedro Bastos
Produtor: Rodrigo Areias
Produção: Bando à Parte
"The only known surviving recording of Virginia Woolf's voice. It is part of a BBC radio broadcast from April 29th, 1937. The talk was called "Craftsmanship" and was part of a series entitled "Words Fail Me". The text was published as an essay in "The Death of the Moth and Other Essays" (1942).
(transcrição aqui )
RETRATO
Uma demora lenta nas palavras
RUI CAEIRO
Acordo de noite subitamente
Acordo de noite subitamente.
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a Natureza lá fora,
O meu quarto é uma coisa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena coisa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única coisa que o meu relógio simboliza ou significa
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...
Fernando Pessoa
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu sinal de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor.
Herberto Helder
Eis que vou adiante, mas não está ali; volto para trás, e não o percebo;
Procuro-o à esquerda, onde ele opera, mas não o vejo; viro-me para a direita, e não o diviso.
Mas ele sabe o caminho por que eu ando; provando-me ele, sairei como o ouro.
Os meus pés mantiveram-se nas suas pisadas; guardei o seu caminho, e não me desviei dele.
Nunca me apartei do preceito dos seus lábios, e escondi no meu peito as palavras da sua boca.
Job 23:8-12
PLANO DE EVASÃO
Que mais podemos fazer?
Este amor é um país cansado
que não nos deixa mudar.
O medo cerca as fronteiras
e a capital é Nenhures,
cidade de perdulários
e pequenas ruas tortas
onde vem morrer a noite –
aqui estamos ambos sós,
desunidos, extraviados,
não há táxis na praceta
nem cinzeiros nos cafés
e perdemos os amigos
entre as curvas de um enredo
que deixámos de seguir.
Mas não era nada disto
o que tinha na cabeça
ao começar a escrever:
os versos chamam o escuro,
abrem os portões ao frio
e eu quero estar nas colinas
do outro lado do rio.
Rui Pires Cabral
Ladrador (AA. VV.) Averno, Lisboa, 2012.
Que mais podemos fazer?
Este amor é um país cansado
que não nos deixa mudar.
O medo cerca as fronteiras
e a capital é Nenhures,
cidade de perdulários
e pequenas ruas tortas
onde vem morrer a noite –
aqui estamos ambos sós,
desunidos, extraviados,
não há táxis na praceta
nem cinzeiros nos cafés
e perdemos os amigos
entre as curvas de um enredo
que deixámos de seguir.
Mas não era nada disto
o que tinha na cabeça
ao começar a escrever:
os versos chamam o escuro,
abrem os portões ao frio
e eu quero estar nas colinas
do outro lado do rio.
Rui Pires Cabral
Ladrador (AA. VV.) Averno, Lisboa, 2012.
Música (Im)Possível
Roads
Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say
How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong
Storm.. in the morning light
I feel
No more can I say
Frozen to myself
I got nobody on my side
And surely that ain't right
And surely that ain't right
Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say
How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong
[INSTRUMENTAL]
How can it feel, this wrong
This moment
How can it feel, this wrong
Ohh, can't anybody see
We've got a war to fight
Never found our way
Regardless of what they say
How can it feel, this wrong
From this moment
How can it feel, this wrong
O CERNE DA POESIA
O cerne da poesia
é a imagem de um rapaz
a fazer música e amor
com uma rapariga cujo interesse
pelo amor e pela música coincide
em ambos com um enorme desespero
os seus íntimos como uma guitarra
dedilhada sob o sol quente e seco
da esperança onde homens selvagens e brutais
vão rasgando a vida como uma página
de um livro muito
antigo
e amarelo
Harold Norse
(obrigada ao Vasco pelo poema) Dilka Bear
REPITO
Amo
devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada
lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio. De paixão.
Herberto Helder
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio. De paixão.
Herberto Helder
Sobre Todas as Coisas
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador
Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Chico Buarque
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador
Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Chico Buarque
WORDS
Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren’t good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.
Anne Sexton
Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren’t good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.
Anne Sexton
"FALAR SEPARA, TAMBÉM."
Albert
Camus
Quando acordei sem sentir o lado esquerdo,
sorri. A perna arrastada, o braço caído, a dormência na cara: sempre me tinham
dito que estava tudo na cabeça e agora esta anestesia imperfeita do lado do
coração. O corpo a desistir finalmente a tempo, antes de mim.
Depois vieram as pessoas à mesa. As
perguntas. Os olhares inquietos. As conclusões demasiado apressadas para o corpo
em greve. Os toques, as insistências, as pressões. E finalmente as palavras que
saíam devagar mas que não conseguiam parar os olhares inquietos, os
entreolhares, os toques, as insistências, as pressões. As palavras que só
conseguiam parar as perguntas, porque saíam diferentes das perguntas que tinham
na cabeça, diferentes também - percebia ainda mais devagar - das respostas que
eu tinha na cabeça. Uma espécie de afasia que começara do lado do coração, como
se tivessem cimentado a porta para a rua. De repente, sabia com o corpo todo por
que razão silêncio é uma palavra impossível. Só o som da circulação
parada no cimo da montanha-russa, o mal que continuava a sua teia à
transparência da pele. Só. O grau zero da solidão, não passeada entre os outros,
uma canção fria presa dento de mim.
Durou uma manhã. Seguiu-se uma pequena
morte: um enjoo do ar, uma sonolência agravada pela luz, depois o lado esquerdo
como que apunhalado repetidamente pela tarde. As pessoas à volta da cama: as
veladoras. Um sorriso ainda do lado direito, mas apenas por dentro. E o regresso
novamente provocado, novamente puxado ao mundo. Dias e dias com o pensamento
cartografado por máquinas e as reacções medidas na ponta de agulhas. Um grau de
normalidade injectado para se ver melhor o contraste.
E os olhares sempre inquietos. As
conclusões sempre mais rápidas do que o corpo a acordar de uma queda em sonhos.
As palavras como água inquieta a regressar após um corte. Sempre as palavras.
Espessas, duras, de língua áspera. Minhas, mas não entre mim e os outros, não
entre mim e o mundo. Minhas, por serem um sinal de nascença, por serem os
outros, por serem o espaço de mundo entre nós. Minhas, por terem ficado à espera
cá dentro, enquanto reparava, sem o poder dizer, que a morte era afinal a
vizinha com quem me cruzava todas as manhãs nas escadas e trocava os bons dias,
ou o cão triste na esquina da rua, no regresso do trabalho. A morte familiar.
Sem susto. Sem ser a medida de todas as coisas, por estar já entre todas as
coisas.
A medida de todas as coisas, essa é a
amizade. Ter um girassol a crescer na varanda de baixo e a tentar chegar ao meu
andar, antes do final da primavera. Ter um arquipélago de seres para quem se
ordena a nossa quotidiana páscoa, para quem se reserva as palavras pesadas,
cosidas, arrumadas, limpas com que prestamos testemunho enquanto assistimos ao
mundo desde a última fila.
Os meus amigos sabem, exactamente por esta
ordem: explicar que o meu coração tem quatro janelas incompletas, uma árvore a
crescer lá dentro e alguém que ainda se recorda de como rezar; seguir as
coincidências no caminho dos ciprestes; descobrir a doçura que só entrego em
contrabando e de que cor é para mim a liberdade; curar as estrelas e os pássaros
que caem do céu como peças a mais do universo. Estes amigos, os meus, ensinam-me
que, se não sonhar, morro. Lembram-me que há sempre outro rio mais fundo, mais
rente ao início do mundo.
E conseguem sobretudo pôr as mãos sobre o
meu coração, à distância de uma noite inteira e de vários quilómetros de vida.
Por isso é que nunca os deixo partir, mesmo quando têm de partir e o fio que nos
prende se mistura definitivamente ao corpo, que às vezes me falha.
Inês Dias, aqui
Os livros
É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo “eu” entre nós e nós?
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo “eu” entre nós e nós?
Manuel António Pina
(in Como se desenha uma casa; ed. Assírio & Alvim, 2011)
Fios
Aproveitam a teia recurva dos cabelos para se fixarem, são fios mais estreitos que se ligam em ilhas que o emaranhado dos cabelos prende. Pequenas fibras que o atrito separou das roupas e cobertores e a aragem juntou em novelos que o tempo vagaroso engrossa. Entre eles o pó, mais estreito ainda, corpo tão breve que o demora. São ilhas frágeis, o movimento que as formou dispersa-as. São ilhas eternas, sempre outro movimento as renova em algum tempo e lugar. Prendes entre os dedos o novelo que apanhaste do chão. Mais vasto do que tu, mais vasto do que o tempo que te foi dado, nele te fita o vazio sobre o qual te ergues olhar. Olha-o de frente, nada temas. O teu fim igualará o princípio. Tudo será como antes este rosto que é de ninguém.
Jorge Roque, in Broto Sofro
Averno, 2008
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
Mário CesarinyPena Capital
Assírio & Alvim, 2004
ESPLANADA
Por vezes os danos apanham-nos de surpresa.Por vezes pensamos que podemos reparar
os danos. Se soubéssemos cantar, era uma ajuda.
Há pessoas a espreitar pela janela, no seu modo
de tornar as casas um pouco mais habitáveis.
Que importantes nos tornámos, de repente.
Discutimos o mundo com base em
pequenas coisas, pequenas queixas
do glorioso mecanismo do corpo humano.
(O corpo, claro, tem as suas exigências.)
Aquiles, por exemplo, tem passado melhor
do calcanhar. Haverá sempre um lugar para ele
à mesa do Olimpo. Bem-vindo à unidade
de cuidados intensivos, onde as cervejas se querem
frescas e a dividir por todos.
Vítor Nogueira,
in "Comércio Tradicional", Averno
Subscrever:
Mensagens (Atom)